terça-feira, 22 de novembro de 2011

‘PSICOPATOLOGIA’ NA SALA DE AULA NA CONTEMPORANEIDADE - UMA VISÃO PSICANALÍTICA

O saber pedagógico tem, ao longo do tempo, concebido formas diferenciadas da prática educacional. As concepções Humanista, Liberal-Tradicional, Tecnicista e Reprodutivista permeadas pela Concepção Dialética da Educação tornam evidente o comprometimento da ação educativa com alguma perspectiva filosófica ou política, que consciente ou inconscientemente é assumido na prática da ação educativa. Fanoel Messias dos Santos, Especialização em Psicopedagogia.



A ideia de escrever sobre este assunto vem da angústia que sinto ao desenvolver minhas atividades como docente em uma renomada instituição de ensino superior nos cursos de Administração de Empresas e Ciências Contabéis. O título é uma referência ao texto de Freud “A psicopatologia da vida cotidiana” escrito em 1901.

Resolvi tomar o caminho da docência, motivado pelas vivências na área da Administração ao longo de mais de 30 anos de atividades como Administrador e Consultor Organizacional. Esta ultima atividade me levou a encontrar a Psicanálise como teoria e depois como teoria de uma clínica. Para que não se perdessem as experiências adquiridas pela minha formação acadêmica resolvi então, trilhar o caminho da docência.

O mal estar na educação contemporânea encontra-se caracterizado pelas queixas dos professores: perda do desejo de ensinar, adoecimento, insatisfação e desânimo, dificuldades para aplicar os conhecimentos de sua formação e de sua prática, etc. Sintomas estes que foram acolhidos de forma geral na denominada Síndrome de Burnout.

Na outra ponta do processo, a do aluno, encontra-se em grande escala a desmotivação para o aprendizado, a falta de pontualidade, as faltas, as dificuldades de compreenderem as abordagens, alto nível de agressividade, passividade generalizada, as dificuldades para a leitura e compreensão de textos, a ausência de leituras técnicas sistemáticas, tudo isto gerando também angústia tanto neste quanto naqueles primeiros..

Sabe-se que Freud em 1925 no texto “Prefacio a uma Juventude Desorientada de Aichhorn” (1925),afirma que três profissões são impossíveis: educar, curar (psicanalisar) e governar. Esta afirmação ocorre porque em todas elas é possível saber que o resultado será insatisfatório. A maioria dos professores sabe disto mesmo que de modo intuitivo.

Para tornar mais clara esta linha de raciocínio, mergulho na lembrança à minha época dos bancos de universidade no final da década dos anos 60. O Brasil e o mundo passavam por grandes transformações que iam da revolta dos estudantes na França até o início dos governos militares no Brasil. Posso recordar como muitos colegas e eu olhávamos os professores. Eles, mesmo os mais exigentes, eram visto como modelo de profissionais que tinham conteúdo para nos ensinar. Não havia professor ‘bonzinho’. Havia os exigentes e os não tão exigentes. Olhávamos o futuro como algo a ser conquistado para melhorar a vida de todas as pessoas, havia o ideal de liberdade, a busca de um lugar profissional de respeito, enfim eram muitas as bandeiras.

O que acontece com muitos alunos de hoje? O que os motiva? O que querem do futuro? Perguntas que muitos de nós professores nos fazemos e que não encontramos respostas vinda da parte deles.  Como estudioso da Psicanálise, de Freud, Lacan, Miller e de outros psicanalistas, busco ajuda  dos seus saberes para articular algumas respostas.

Sabendo que a Psicanalise é a teoria de uma pratica, farei uso dela para um campo que não é dela, a Educação. Usarei a Psicanálise para ver a Educação com enfoque psicanalítico.

Para responder nossos questionamentos, é possível focar dois tópicos da teoria psicanalítica. Um  é o conceito de transferência e o outro a relação do Ideal de Eu e Eu Ideal.

O conceito de transferência aparece pela primeira vez no texto de Freud, escrito em 1895 “A Psicoterapia da Histeria” e em toda extensão do seu trabalho mostra sua importância na clinica psicanalítica. Em 1920 no texto “Além do Principio do Prazer”, Freud a identifica como permeando as diversas relações do sujeito com o outro.

O viés da transferência em Freud e sua revisão em Lacan, o Sujeito suposto Saber, evidencia a importância deste tópico no processo de aprendizagem.

A aquisição de conhecimento depende da relação do aluno com seus professores e seus colegas, numa referência à relação transferencial que faz com eles, enquanto representantes de seus pais e irmãos....O conceito de transferência designa o processo utilizado pelos desejos inconscientes para, não só na relação analítica, repetir as experiências infantis vividas, agora, como atualidade. Sigmund Freud  “Algumas reflexões sobre a psicologia escolar”  

Onde está o desejo do aluno pelo saber? Todos que estudamos psicanalise sabemos que Freud afirmava em seus três ensaios que a estruturação da atividade intelectual ocorre a partir da atividade sexual. Ele afirma ainda que a “sexualidade” e a “atividade do pensamento” caminham juntas durante a primeira infância e se definem pela relação do sujeito com o saber. Lacan na abordagem do desejo como fator de busca, nos diz que o desejo é, uma questão que busca resposta no campo do Outro, isto é, que faz investir no lugar transferencial do outro.

Os estudos dos conceitos psicanalíticos mostram a ligação essencial entre o desejo do sujeito e seu nível de motivação. Sabemos que o desejo vem de uma falta, e esta falta para produzir o desejo pelo saber está relacionada com a questão “de onde vem os bebes”? Freud chamou de pulsão epistemofílica e que quando inibida ocasiona a suspensão dos investimentos cognitivos, que por sua vez provoca a passagem do desejo de saber para ‘nada saber’. Este acontecimento irá desarmar o surgimento da transferência (sujeito que quer aprender) e deste modo o não acontecer do Sujeito Suposto Saber

O sujeito não é instinto, mas sim cultura e esta, o captura através da linguagem veiculada pela fala. No âmbito escolar, é o professor que apresenta o saber através de uma fala estruturada pela linguagem. Se está presente no aluno o desejo de aprender esta fala do professor, baseada na transferência tem o Sujeito Suposto Saber ancorando a pulsão do saber, provoca o efeito desejado que é o conhecimento.

Sabemos ainda que segundo Lacan, o recalque originário é o meio através do qual somos inseridos na corrente da cultura e da civilização, quando o Nome do Pai vem interditar o Desejo da Mãe. Esta inserção abre as séries de buscas pelo objeto faltante.

Segundo Lacan (1978), o recalque originário é o processo que introduz o sujeito na corrente da cultura e da civilização, ensinando-o a substituir o real da existência (desejo de ser para a mãe) por um símbolo e uma lei (o pai e a família). Os interditos todos para os quais o homem precisará de um símbolo que os represente pré existem ao sujeito, estão na própria cultura e chegam a ele através da linguagem. Por essa razão, Lacan se refere à ordem do simbólico como algo que constitui o homem. É o homem que, de recalque em recalque, nela se insere. Onde se esconde o  desejo  de aprender do aluno? Ayrton Rodrigues Reis e Orion Penna e Souza

Neste viés é possível afirmar que o recalque ocasionado pela castração é uma primeira condição para a configuração da transferência  (desejo de saber).

De fato, o desejo de saber "o quê o outro quer de mim?" dirige-se ao seu reconhecimento pelo outro, por isso busca saber sobre o desejo do outro. Como sua angústia tem origem na falta que lhe é presente, a castração, a sua busca consiste em saber sobre o próprio desejo, o objeto a. Fanoel Messias dos Santos, A Transferência  e o Fracasso Escolar..

Concordo com um colega psicanalista e também professor quando ele diz que os professores são tratados como mercadoria e que a cada dia o Sujeito Suposto Saber, ou seja, a transferência do aluno para o professor está cada vez mais abalada.

O sujeito pós-moderno, por ser efeito de discurso – e de um discurso que emergiu mediante a queda do pai, ou seja, o discurso capitalista –, é um sujeito para quem o desejo não é falta, senão capricho, vontade de gozo. O desejo do sujeito pós-moderno é vontade de gozo porque o discurso capitalista tem a lógica insensata e feroz do supereu. Mais: poderíamos dizer que o discurso capitalista é o supereu do sujeito “pós-moderno”. Discurso capitalista e supereu articulam-se num mesmo imperativo: “Goza!”, mas não do imperativo da renúncia, como ordenava o supereu “moderno”, e sim de um modo infernal e ilimitado, goza do objeto técnico, do objeto que é efeito do discurso da ciência. Eduardo Riaviz  - Modernidade, pós-modernidade e  fundamentalismo (uma leitura lacaniana)

Qual a diferença entre o ideal do Eu e o Eu ideal dos alunos da década de 60 e os alunos do século XXI? Podemos chamar estes dois elementos de subestruturas do Supereu. Freud referencia a eles no seu texto de 1914, “Sobre o narcisismo: uma introdução”

O eu ideal é, para Lacan, uma formação imaginária, herdeira da imagem de si, que se constitui no Estádio do Espelho. O Ideal do eu é uma formação simbólica que sustenta, autentifica e significa a imagem do eu ideal.  Noutras palavras, o sujeito se identifica, por um lado, com uma imagem (eu ideal) e, por outro lado, esta imagem é significada a partir dos significantes (Ideal do eu) que lhe vêm do grande Outro. Estes significantes que, vindos do Outro, constituem o Ideal do eu, não apenas sustentam, autentificam e significam a própria imagem, senão que também nos dão um “ser” que nos faz formar parte de classes lógicas, de universais. Eduardo Riaviz - Modernidade, pós-modernidade e  fundamentalismo (uma leitura lacaniana)



Os anos 60 foram marcados por ideias de liberdade e participação. Podemos ver neste viés que o sujeito daquela época tinha uma bandeira, na qual acreditava e por isto sacrificava muitos desejos para ver seu ideal atingido. Ele estava sob a égide do desejo no sentido de buscar um mundo melhor. O sujeito de hoje, por estar imerso no discurso capitalista, está fascinado pelos objetos técnicos e com ele goza.

Na pós-modernidade, com a queda do pai, não só nos deparamos com o retorno dos particularismos, excluídos pela lógica moderna, senão que também nos encontramos com uma ordem que não dispõe do universal moderno para incluir excluindo as diferenças. Portanto, o único recurso que esta nova ordem encontra para se preservar é a segregação do diferente, e a única “lei” de ferro que a garante ela a encontra no campo de concentração.[1] Isto não impede que, além da segregação contemporânea e os muros que a defendem, surjam vozes em defesa dos direitos humanos. Mas o paradoxal destas vozes é que não sustentam o direito a um gozo Outro, senão que exigem uma justiça distributiva do objeto técnico. O imperativo que os comanda é gozo para todos, mas gozo extraviado no objeto técnico. . Eduardo Riaviz - Modernidade, pós-modernidade e  fundamentalismo (uma leitura lacaniana)



Vivemos em tempos caracterizados pelos excessos, onde o gozo toma o lugar dos ideais , das bandeiras. Ser professor ‘educado’ na escola antiga, a do esforço na busca dos objetivos em longo prazo, é difícil, pois temos uma juventude ‘educada’ na escola das facilidades e do não esforço. Pode-se perguntar qual a saída para os professores para conter suas angústias e suas questões? Será que existe resposta para estas questões?

  

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DOR, J. Introdução à leitura de Lacan: O inconsciente estruturado na linguagem. Tradução de Carlos Eduardo Reis; Supervisão técnica da tradução de Cláudia Corbisier, Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. 203 p.

_______. Introdução à leitura de Lacan: Estrutura do sujeito. Tradução de Patrícia Chittoni Ramos; Supervisão técnica de Francisco Franke Settineri, Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1995. 2v. 258 p.

FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

REIS, AYRTON REIS, et all. Onde se Esconde o Desejo de Aprender do Aluno. Available from: http://www.ufsm.br/lec/01_01/Ayrton-OrionL5.htm. Acess on: 01 NOV 2011.

SANTOS, Fanoel Messias dos. A transferência e o fracasso escolar. In: COLOQUIO DO LEPSI IP/FE-USP, 5., 2004, São Paulo. Available from: <http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000032004000100026&lng=en&nrm=abn>. Acess on: 30 OUT. 2011
RIAVIZ, Eduardo - Modernidade, Pós-Modernidade e  Fundamentalismo (Uma Leitura Lacaniana).






sábado, 24 de setembro de 2011

Psicanálise e a Terapia de Casal - uma introdução

Há milhares de anos se discute sobre o amor e o casal. Estes temas sempre foram explicitados em livros, músicas e nas artes. Os tempos atuais colocam no centro das discussões a família. Casamentos, divórcios, novos casamentos, com isto a família dentro dos modelos conhecidos já quase não subsiste. Apregoasse aos quatro ventos que a família está em crise.

Um dos campos mais promissores da psicoterapia é aquele que tem a família como objeto de estudos. Hoje existe uma substanciosa literatura científica referente essa temática, provinda de distintas correntes, com os respectivos seguidores, os terapeutas de família. Têm-se o Modelo Sistêmico, a Terapia Familiar Estrutural, a Terapia Estratégica Breve, o Grupo De Milão e a Abordagem Psicanalítica. Não é o objeto deste trabalho esmiuçá-las, mas sim de aprofundar a abordagem psicanalítica no seu aspecto vincular. Especificamente as ligações que se estabelecem entre um homem e uma mulher numa relação conjugal.

Cada uma das correntes mencionadas segue os seus próprios referenciais teóricos e técnicos, com abordagem técnicas e táticas bastante distintas entre si. Os princípios psicanalíticos estão mais dirigidos aos diversificados tipos de conflito que procedem do inconsciente dos indivíduos e dos grupos. Os sistêmicos, por sua vez, privilegiam o funcionamento de um casal ou família, sob o enfoque de um sistema, e isto é, esses terapeutas trabalham um nível mais próprio do consciente e ficam mais voltados para permanente interação que sempre existe entre todos os integrantes de uma família, com uma determinada ocupação de lugares e de papéis, por parte de cada um deles, de sorte que cada um influencia e é influenciado pelos demais.

É encontrado na atualidade, um número cada vez maior de terapeutas que defendem a terapia de família ou de casal, sob o ponto de vista holístico isto é, que abrange ao mesmo tempo uma compreensão psicanalítica com outra sistêmica e outra cognitiva.

A psicanálise, como sendo uma forma de reflexão e prática, tenta compreender e estabelecer a maneira como se opera esta díade homem-mulher, fundamentada na interação de desejos e necessidades de cada um dos parceiros. Entra em cena para esclarecer o que está por trás dos ornamentos do imaginário.

Este trabalho visa basicamente abordar certos elementos que podem ser encontrados no decorrer da prática clínica psicoterápica de casais de base psicanalítica. Nele pretende-se identificar e discutir alguns aspectos específicos à dinâmica do casal, pelo qual se inicia uma família.

A proposta deste estudo vai além da tentativa de dissertar sobre o encontro amoroso, vai dizer da possibilidade ou da impossibilidade de manutenção deste primeiro momento, desta ilusão de completude, deste amor esférico. Propõe-se aqui, pensar na díade homem-mulher e no amor. Para tanto, o estudo irá direcionar-se para o questionamento do que possibilita o encontro amoroso e inferir sobre o que desencadeia o desencontro.

Sob o viés psicanalítico o termo casal (matrimonial) designa uma estrutura vincular entre duas pessoas de sexos diferentes, a partir de um momento dado, quando estabelece um compromisso de fazer parte dela em toda a sua amplitude, possam cumpri-lo ou não. Ele é considerado como origem da família, do ponto de vista evolutivo e convencional.

Psicanaliticamente pode-se pensar que o casal se desprende do núcleo familiar, de onde se originam seus modelos, levando em conta o desejo dos diferentes egos de uma família, de perpetuar-se no tempo através da transmissão do desejo de ter filhos, transformado no desejo de possuir uma família, mediante vinculo de aliança. A primeira dificuldade para a constituição do casal surge da dificuldade do mundo psíquico de cada um dos seus membros, derivada da resolução trabalhosa, difícil, nem sempre terminada, da separação de seus vínculos familiares.
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sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O Professor, a Psicanálise e a motivação do aluno

Hoje constatei como é possível ser capturado pelo discurso Capitalista de Lacan no exercício da docência. Li um artigo de um Administrador e professor universitário aceitando que a motivação do aluno em classe depende dele (professor).

O discurso Capitalista é o quinto laço social elaborado por Lacan. Ele junta-se com os discursos do Mestre, da Universidade, da Histérica e do Psicanalista. Eles articulam como o sujeito se relaciona com a verdade, o saber e os objetos. Os discursos são referências na psicanálise e são usados para analisar como as relações humanas interagem.

Estou preparando uma palestra para a Semana da Educação da IES, onde ministro as disciplinas de Estratégia Empresarial e Administração de Serviços para o curso de Administração. Nela busco mostrar como o discurso da Ciência (a visão matemática) – e por consequência o discurso Capitalista tomou conta do mundo que chamamos de pós-moderno. Em todas as áreas, e também na Educação, busca-se universalizar (valer para todos) alguns conceitos que não são possíveis (e nem passiveis) de universalização.

Freud numa das suas famosas frase-conceito, afirma que existem três profissões impossíveis de serem exercidas. A de professor, de psicanalista e de governar (administrar). Ele afirma isto porque  o ser humano está sempre buscando satisfazer suas necessidades e ou seus desejos num processo de demanda sempre insatisfeita e por isto não irá ‘agradar’ a todos os envolvidos nestes três processos. Um administrador nunca irá satisfazer todos seus administrados, um professor nunca irá satisfazer todos seus alunos e um psicanalista não satisfaz seus pacientes.

A psicanálise mostra que todo processo de motivação está articulado a uma falta essencial que é adquirida  ao nascer, e que para preenchê-la iremos montar estratégias e criar, através das nossas fantasias, objetos (o saber, eletrônicos, pessoas, etc.) que terão este poder.

Até alguns anos passados, o mundo era calcado em ideais e na ética, hoje estes ideais caíram (sem falar na ética) e o que vale hoje é a capacidade de satisfazer os desejos e necessidades do mercado (leia-se – das pessoas).

A grande maioria das instituições de ensino volta-se para as leis de mercado, pois toda a organização capitalista tem como objetivo primeiro o lucro. Nesta forma de pensar é preciso identificar o cliente, que nesta situação será o aluno e não mais a sociedade que precisa de profissionais competentes (com saber). Para agradar este ‘cliente’ é necessário satisfazer a necessidade e/ou desejo dele que, muita vezes, é o de apenas possuir um ‘canudo’ e não o ‘saber’.

Portanto colegas Administradores e Docentes, o que motiva é a falta interna de algo, e não um objeto (professor) que é apenas um semblante do saber que o aluno deveria procurar, o ‘saber fazer’ de uma profissão. Se pensarmos que o professor é o motivador do aluno em sala de aula é estar contribuindo para que o canudo se transforme, cada vez mais, em mercadoria e que pode ser conquistado apenas pelo dinheiro e não pelo sacrifício de horas de lazer e pelo esforço de estudar durante várias horas.

domingo, 4 de setembro de 2011

O Casamento e a Terapia de Casal de Orientação Psicanalítica

O Texto abaixo faz parte da monografia de pós-graduação em Terapia de Família :


ABORDAGEM PSICANALÍTICA DA GÊNESE DO APARELHO MENTAL, DAS FANTASIAS E DA FORMAÇÃO E ESTRUTURAÇÃO DOS VÍNCULOS NA TERAPIA DE CASAL


Todos esperam serem felizes no casamento. Quando apaixonados todos os olhos estão voltados para a pessoa amada. Não é à toa que todos os contos infantis terminam com o encontro daquela que tanto sofreu com o príncipe encantado e finalizam com "e foram felizes para sempre". Como se houvesse um grande desejo de parar o tempo. Por parte das mulheres, a vontade de ser protegida e ter filhos são um exercício desde menina. Quando cresce aspira também a ser protegida pelo marido. Para os moços, a expectativa é de ser acolhido num ninho de compreensão e amor. Ela acredita poder realizar todos os sonhos levantados nas brincadeiras de casinha, e isto é normalmente reforçado pelos homens que acabam sendo formados para dar conta de tudo, e quando isso não ocorre, se vêem desprestigiados. Com isto ocorre aqui um grande choque entre sonhos e realidade. Os ideais muitas vezes acabam atrapalhando o entendimento do casal. 

Ter que lidar com o fato de serem duas pessoas diferentes sempre é problemático. Quando se está apaixonado, o outro é o bem total, e o eu nem é merecedor de tanta perfeição.  Esse sentimento vem de quando o bebê está com fome e esperneia pelos cuidados e vem a mãe ou sua substituta atendê-lo aliviando a fome e o desespero; isto deixa uma sensação de grande prazer e gratidão para com a mãe, até a próxima mamada, quando tudo vai se repetir.

É importante reconhecer as diferenças entre os componentes do casal. A diversidade é trabalhosa, mas é muito mais estimulante. Uma mulher que tem suas experiências profissionais, seus relacionamentos de amizade, suas idéias, tem muito mais a contribuir no casamento do que aquela que só tem olhos para o marido. Quem dá muito, cobra muito. Um homem que vibra com as próprias coisas e uma mulher que têm várias fontes de satisfação têm mais condições de tornar seu casamento criativo. Porque diferentes são todos. Todos sedentos de amor. Numa situação na qual o amor é tão fundamental, a vida fica insatisfatória e pobre. Insatisfatória porque a bem aventurança da paixão é passageira.


Estados de amor no adulto são necessariamente alternados com insatisfação. A única situação de absoluta dependência do outro que faz bem é aquela do bebê com sua mãe. Não é bom para aquele que depende, nem para aquele que é o objeto da eleição. Se um dos cônjuges tem como único projeto estar colado ao seu parceiro, está perdido, porque, mais cedo ou mais tarde vai se dar conta de que são dois e não um só. Se forem iguais é porque um está tendo que abrir mão do que pensa, da própria personalidade. No fundo fazem isso para evitar atritos, acreditam que as discussões desgastam a relação. Isto é péssimo para qualquer relacionamento. Estes casamentos estão apoiados em doutrinas: dá para falar, não dá para falar.

Construir um relacionamento fundamentado na liberdade e não no apego e possessão é essencial para o fortalecimento do casal. Saber disso é a base para uma relação de crescimento.

Envolvidos pela magia do enamoramento, muitas pessoas acabam esbarrando no que Freud denominou "amor narcisista". Facilmente o ser humano cai na armadilha do "amor como reprodução".  Este fenômeno é provocado pela projeção de um indivíduo no outro. É amar no outro a própria imagem, ou as características que gostaria de ter.

Este comportamento diminui as chances da pessoa permanecer no estado amoroso, pois mais dia, menos dia, acorda e percebe a ilusão criada por sua própria fantasia. É o instante em que a cortina cai e o outro é visto sem as vendas de quem está tomado pela poção do amor.

Para construir uma relação são necessárias três etapas que devem ser vencidas; cada uma dela exige muitas vezes um trabalho psíquico com o qual os componentes do casal não foram aparelhados nas suas fases primordiais do desenvolvimento humano.

1. Enamoramento - quando o outro é tudo para nós! É uma fase muito útil para casar-se...;
2. Descoberta - quando descobrimos que a outra pessoa não é exatamente aquilo que esperávamos. Esperanças e alegrias coexistem com as decepções e tristezas;
3. Maturidade - quando se descobre o valor do outro como ele é e não como poderia ser. Tolerância e companheirismo

O tempo de duração do estado prazeroso de descoberta, só depende da forma como se vai lidar com os aspectos reais, menos românticos do outro. O mar de rosas do primeiro momento se revela um oceano complexo, cheio de inseguranças, possíveis neuroses e dúvidas.

Se a pessoa não tiver estrutura para aceitar o outro de forma adequada, um afastamento é inevitável; quando o casal consegue manter o respeito à individualidade, estabelecendo um relacionamento de troca, é possível que a magia do encantamento inicial nunca se esgote. Ela se transformará, junto com as mudanças e o aprofundamento da relação.



terça-feira, 16 de agosto de 2011

Experiência Analítica: por que ir a um psicanalista?


O texto abaixo foi escrito pela psicanalista Vanilda Maria Macêdo Mandelli, especialista em Teoria Psicanalitica e Sexualidade. vanildamacedo@yahoo.com.br



Experiência Analítica: por que ir a um psicanalista?



Muitas são as questões que habitam a mente das pessoas que já leram, ouviram falar ou souberam da existência da psicanálise. E muitas destas questões fantasiam, distorcem, levam à descrença sem fundamento ou instiga o indivíduo a procurar saber o que é a psicanálise e como ela pode ajudar.

Proponho-me aqui, à minha maneira, esclarecer tais questões, na tentativa de tornar os benefícios do trabalho de análise mais acessíveis, com informações básicas e não distorcidas sobre a possibilidade de melhor qualidade de vida a partir de uma experiência analítica.

Todos têm, em certa medida, problemas existenciais, que nos causam angústias, nos dividem e nos fazem desacreditar na alegria de viver. Alguns, como herança do passado e dos ensinamentos aprendidos na vida; outros, por dificuldades em se adaptar às mudanças que viver em sociedade os obriga e impõe, ou até mesmo os que se sentem confrontados com a sempre temida incerteza sobre o amanhã. Pessoas comuns que padecem de problemas de fundo emocional, em todos os níveis e graus e de tipos e origens os mais diferentes.

Há os que conseguem superar os problemas de sua existência. A maioria, entretanto, não o consegue e necessita, então, de alguma ajuda para encontrar o equilíbrio consigo mesmo e com a vida – diante dos problemas de todo dia.

Em meu entender, todo indivíduo que se propõe a buscar ajuda de ordem analítica já iniciou, de algum modo, seu processo de readequação à realidade, de reaprendizado de vida, de busca de si mesmo e de melhoria de suas relações com os outros, pois a experiência analítica facilita ao paciente o desenvolvimento de uma base emocional mais sólida, proporcionando-lhe viver e atuar adequadamente em cada situação da vida.

Na experiência analítica, o paciente deve estar ciente de que, antes de qualquer outa pessoa, ele precisa querer mudar e resolver aquilo que o incomoda. Igualmente importante é entender que o sofrimento psíquico não é algo que se resolve da noite para o dia, o que exige dele muita paciência e persistência.

A experiência analítica tem como finalidade, também, auxiliar as pessoas no autoconhecimento, possibilitando alterar os comportamentos que provocam seu sofrimento.

Por essas razões, procurar um profissional pode ser uma alternativa em busca de compreender melhor as situações que vêm vivenciando podendo buscar caminhos diferentes a seguir. Pois não se pode mudar a maneira de viver, sem modificá-la por outra.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Quando a mulher quer sexo: como o homem responde?

O Texto abaixo foi escrito pelo Professor e Psicólogo Oswaldo M. Rodrigues Jr. (CRP 06/20610), Diretor do Instituto Paulista de Sexualidade – InPaSex, organizador do livro “Aprimorando a Saúde Sexual” (Summus Ed., São Paulo, 2011, 2ª edição); e-mail oswrod@uol.com.br


A expressão do desejo sexual da mulher é importante para o relacionamento afetivo conjugal. Se uma mulher não se expressa quando tem ou deixa de ter desejo ela diminui a efetividade de comunicação do casal. Um aspecto importante a ser considerado na expressão do desejo sexual feminino é que ele faz parte do processo de erotização do homem, aumentando a ligação entre homem e mulher no sentido sexual.

 Em nossa cultura as mulheres são ensinadas a não mostrar quando tem desejo sexual e não mostrar a quantidade de desejo que lhe é sentido. Ainda, em nossa cultura, as mulheres mesmas se referem por adjetivos negativos quando expressam desejo de modo deliberadamente sexual.

 A identidade de gênero feminina e o papel social de ser mulher são carregados de elementos que determinam como a mulher deve ser e se portar, limitando a expressão do desejo sexual para as mulheres. Isto implica em mulheres que consideram ser negativa a expressão do desejo, que elas não deveriam fazer isso e muitas reafirma, e mesmo verbalizadamente, que o papel de expressar desejo é do homem, fazendo-os menos homens se não tomarem as iniciativas… convenções sociais assimiladas pelos indivíduos.

Claro que existem casais onde a mulher toma iniciativa e contribui com a frequência coital do casal!

Quando nos referimos a desejo sexual, dar a entender sempre cria malestares! O caminho de achar que mostrou, mas não foi explícita é sempre doloroso para ambos.

Ser expressa, verbalizar de modo assertivo, sem hostilizar é o melhor meio e o mais eficaz, pois de modo afirmativo não demonstra qualidades negativas nem responsabilidades do outro.

Ir direto ao assunto faz parte do comportamento assertivo. O comportamento assertivo apresenta a forma melhor da necessidade de uma pessoa de modo a ser ouvida e compreendida pela outra pessoa.

O comportamento assertivo sempre considera a necessidade conjugada e as limitações da outra pessoa.

O desejo sexual de uma pessoa sempre será limitado e prejudicado por uma série de eventos externos e internos. O desejo sexual existe sempre, mas é impedido de aparecer o tempo todo. Assim se construiu a civilização e a realidade humana externa. Coexistir com estas questões é ser humano!

Compreender que o outro pode não querer a mesma coisa na mesma hora é uma habilidade que nem todas as pessoas desenvolveram e muitas nunca desenvolverão, seja por incapacidade, seja por considerarem-se acima dos outros, delegando aos outros a função de satisfazerem as necessidades que demandam.

Aprender a lidar com a frustração da outra pessoa não querer o que neste momento desejamos é uma demonstração de maturidade e adequação.

Expressar diretamente o desejo e ouvir do homem que naquele momento não é viável, ele não quer, ele não pode, ou qualquer explicação que seja, exige a habilidade de administrar a frustação a ser sentida e guardar o desejo para um momento mais propício.

O homem pode não estar disponível naquele momento, as a demonstração do desejo por parte da mulher provavelmente fará parte do desejo dele nas horas e dias subsequentes. Portanto, expressar sempre será benéfico.

Uma comunicação fluida, constante, assertiva, direta, afetiva e efetiva é necessária para que o casal encontre como viver uma situação sexual conjugando os momentos de desejo de ambos. E não só de momentos de desejo, mas também de quantidades de desejo e formas de desejo sexuais!

Os homens são treinados para ter o controle e nem sempre saberão o que fazer se a mulher tentar controlar a situação sexual por iniciativa própria. Portanto, conversar antes é algo que permite o homem preparar-se e não ser tomado de surpresa, o que provavelmente estragaria o desempenho sexual deste homem.

A interação de um determinado casal determinará se a mulher pode tomar iniciativas sem prejuízos para ambos. Como saber disso? Perguntando, questionando, verificando se podem ter este comportamento e se podem experimentar se este formato funciona para este casal!

Assim, combinados podem chegar a conclusões de poderem usar esta ou aquela forma de expressão do desejo sexual.

Sexo se faz a dois!

Então ambos devem saber do que se trata e terem confirmados os direitos de querer fazer ou não!

quinta-feira, 23 de junho de 2011

A PSICANÁLISE E A MOTIVAÇÃO HUMANA - MASLOW E AS NECESSIDADES HUMANAS – II PARTE

Na sequência da reflexão da interação da Psicanálise com a Administração é necessário construir a base teórica para a compreensão dos assuntos. Para isto se faz necessário realizar um breve passeio sobre a teoria psicanalítica nos pontos de interesse para os objetivos aqui propostos.

Nos escritos de Sigmund Freud sobre o funcionamento psíquico, encontram-se os chamados processos primários que são as formas pelas quais a mente humana opera. Aqui é importante resgatar a ideia da Administração sobre processo, que é de um modo de fazer alguma coisa, isto é, como diz a dicionário Priberam da Língua Portuguesa um conjunto de manipulações para obter um resultado. Lembrando que uma ‘entrada’(seja ela energia, afeto, percepção, etc.) sofre uma ‘transformação’ e resulta em uma ‘saída’ diferente da 'entrada'.

Na Psicanálise o Administrador destes processos é o aparelho psíquico, aquele que realiza as manipulações das lembranças e dos impulsos chamados de “processos mentais”. Ele (aparelho psíquico) é composto por três instâncias: o consciente, o pré-consciente e o inconsciente. Cada um com suas especialidades.

 O consciente (Cs) é chamado de parte executiva da personalidade e seu funcionamento ocorre baseado no princípio da realidade. É o que se chama normalmente do racional é onde ocorrem decisões lógicas e baseadas em ponderações, por exemplo, o que pode e o que não pode (regras).

 No pré-consciente, encontra-se o lugar das nossas lembranças o nosso arquivo mnêmico. Fica afastado da consciência, mas que com concentração e esforço pode ser recuperado. Pode-se afirmar que tudo o que se vive, lê, estuda e ouve fica arquivado.

 No inconsciente (Ic) esta localizada a fonte de toda energia psíquica que é a responsável pelos pensamentos, afetos, criatividade e comportamento humano. Ela é contínua e tende sempre a descarga. Na linguagem psicanalítica esta energia é chamada de pulsão. A pulsão substitui o instinto, pois os mamíferos possuem dois instintos, o de sobrevivência e o de reprodução. No ser humano, estes instintos são “recobertos” pela cultura na qual está submetido. A forma desta cultura se manifestar é sempre pela linguagem.

 Um exemplo é a diferença entre fome e apetite, a fome é uma necessidade por alimento (energia) para manter o corpo funcionando e apetite é uma associação feita com a necessidade de alimento (instinto) e o prazer de se alimentar. Na natureza não são encontrados mamíferos obesos, pois eles se alimentam apenas com o necessário para viver, enquanto que o indivíduo come mais que precisa e com isto acumula gordura.

 Voltando à Psicanálise, esta pulsão que é constante e sempre buscando a descarga, ao ser impedida por causa do princípio da realidade, acumula-se aumentando a excitação do sistema nervoso. Quando parte desta energia é descarregada, ela se transforma em comportamentos (ações) e estes estarão baseados no principio primário que é a busca do prazer e a evitação do desprazer.

 Abraham Maslow, um dos teóricos da motivação e muito usado nos processos de Qualidade Total (TQC), define cinco categorias de necessidades humanas. Sem entrar no mérito se são ou não hierarquizadas, encontram se as seguintes: fisiológicas (comer, abrigo, beber, sono, sexo, etc.), segurança (garantir a satisfação das necessidades anteriores), sociais (relacionamento, pertencer a um grupo, etc.), estima (ser reconhecido pelos outros como indivíduo, não ser simplesmente mais um) e as de autorealização representadas pela efetivação de todo o potencial que o ser humano possui.

 Ao fazer-se a junção da teoria das pulsões com a Teoria de Maslow é possível perceber que o fator motivacional encontrado nas quatro primeiras necessidades, é o de evitar o desprazer, pois a fome (sobrevivência) causa desprazer, assim como a dúvida de ter um salário no final do mês seguinte, ou então sentir-se isolado e não reconhecido em seus esforços e em suas características individuais causam sofrimento (angústia). Nesta situação podemos comparar o sofrimento com a sensação de frustração por não possuir a capacidade de atender aquelas necessidades (fisiológicas, segurança, sociais e estima).

 Quanto se trata da AUTOREALIZAÇÃO, é possível perceber que a sua motivação é pela busca do prazer, pois ser um Administrador competente, um cidadão responsável, ou mesmo um profissional reconhecido, o sofrimento (angústia) e substituído pela satisfação.

Baseado nesta reflexão é possível fazer a avaliação da importância motivacional que existe na definição da filosofia organizacional que se faz com o estabelecimento da Visão, do Negócio organizacional, da Missão, dos objetivos estratégicos e das metas individuais.

terça-feira, 14 de junho de 2011

A PSICANÁLISE E A MOTIVAÇÃO HUMANA - PARTE I

Durante muitos anos e várias aulas e palestras, tenho feito um paralelo entre as teorias psicológicas mais conhecidas sobre motivação humana e a psicanálise. Como Administrador de formação acadêmica e Psicanalista por paixão sempre busquei fazer a contextualização das duas ciências.

O Administrador estuda a motivação humana usando como fundamento as teorias de Maslow (as cinco necessidades), McGregor (teoria X e teoria Y), Frederick Herzberg (fatores motivacionais e fatores higiênicos) e Skinner com seu comportamento operante.
                 
O Psicanalista estuda os dois princípios do acontecer psíquico: o princípio do prazer-desprazer e o princípio da realidade que servem como um dos fundamentos da metapsicologia criada por Sigmund Freud.

Antes de continuar com a linha de raciocínio, uma pergunta se faz esclarecedora: Qual a diferença entre Psicanálise e Psicologia?

Usando definições clássicas temos: PSICOLOGIA é a ciência que se ocupa das atividades mentais da contuda objetiva, ou, como preferem muitos tratadistas, a ciência do comportamento humano e animal. A psicologia se ocupa do comportamento humano em seus aspectos objetivos, observáveis, que possam ser medidos, descritos, compreendidos, controlados, testados e preditos objetivamente. Pode-se afirmar que o Psicólogo se ocupa, antes de tudo, com a mente consciente do homem, utilizando-se da aplicação de testes e de outros recursos de sua especialidade. A PSICANÁLISE ocupa-se dos distúrbios psíquicos originados no inconsciente. Seu propósito maior é descobrir, no inconsciente do ser humano suas necessidades, complexos, traumas e tudo que perturbe seu equilíbrio emocional. A análise consiste, essencialmente, na evidenciação do significado inconsciente das palavras, das ações e das produções imaginárias (sonhos, fantasias, etc.) de um indivíduo.

Como é possível perceber através das definições que a aplicação da Psicanálise se faz de uma forma mais profunda, o que abre portas para análise do indivíduo e não dos grupos. Nas organizações atuais se busca a vantagem competitiva, aquela que faz a diferença dentro de um mercado muito semelhante, uma vez que a produção geralmente é feita com as mesmas máquinas, os mesmos insumos e os mesmos métodos. A diferença encontra-se nos indivíduos, na realidade encontra-se NO INDIVÍDUO. Exatamente neste ponto que a Psicanálise torna-se uma ferramenta essencial, pois ela busca a análise da singularidade do sujeito e não sua universalidade.

Estas ideias fazem parte do livro “A Visão Psicanalítica das Organizações” que está sendo escrito em parceria com o Psicanalista, Mestre em Psicologia Organizacional Moacir Coldebella. Convido você para fazer uma viagem por estas reflexões através deste canal.

Volto em breve para continuar discorrendo sobre A Psicanálise e a Motivação Humana.

domingo, 5 de junho de 2011

A FREIRA E O CONDENADO – UM CASO DE GOZO


A FREIRA E O CONDENADO – UM CASO DE GOZO
Ernesto Friederichs Mandelli – psicanalista


A ideia de escrever uma breve reflexão sobre o amor e as mulheres (não existe A MULHER, mas UMA MULHER, elas são feitas uma a uma, pelo fato de não haver um conjunto que as represente.) dentro de uma visão psicanalítica, aconteceu quando da escolha do filme “Os Últimos passos de um homem” a ser comentado numa das próximas sessões de Cinema e Psicanálise, atividade da Delegação Maranhão da EBP. Sempre é, para mim, um exercício delirante dar um recorte específico entre a mulher e o amor, pois se têm vários vieses para abordar o referido tema.

O filme conta a história verdadeira passada na Lousiana USA onde a freira católica Helen Prejean (Susan Sarandon) passa a ser a guia espiritual e a lutar pela vida de um homem Matthew Poncelet (Sean Penn) que espera ser executado a qualquer momento, por ter assassinado dois adolescentes, sendo que uma das vítimas era uma jovem que foi estuprada antes de morrer.

Desejo fazer um recorte no assunto, o envolvimento de Helen com Matthew, baseado em algumas cenas do filme. Os envolvimentos entre homens e mulheres são diferentes dos que os que ocorrem entre as mulheres e os homens. O envolvimento dele com ela não será objeto de análise, mas apenas o de Hellen com Matthew. Proponho uma reflexão através de algumas questões: É possível o amor não erótico? O que faz Hellen se posicionar ao lado de Matthew ficando contra a sociedade e o próprio capelão da prisão? Quem é ele para ela? Que tipo de afeto toma conta dela?

Para o psicanalista e escritor Juan Nasio, em seu livro ”Um Psicanalista no Divã” é possível amor não erótico. Nasio faz uma distinção entre o amor e a amizade. Esta, a amizade , tem como característica não ser erotizada, ser recíproca e não produzir ciúme, pois não é possessiva. O amor, nesta perspectiva sempre será erotizado, exige exclusividade e produz ciúme.  Também se encontra no seminário XX uma referência ao que Lacan (1982) chama de amor cortês “è uma maneira inteiramente refinada de suprir a ausência de relação sexual”.

O amor é sempre um encontro imprevisto, diz Lacan, é um instante que atinge os três registros, o Imaginário, o Simbólico e o Real. Este encontro imprevisto aconteceu quando do encontro de Hellen com Matthew ela passa a duvidar das provas, se torna sua defensora e conselheira espiritual. Passando pelas ordens do Imaginário e do Simbólico, vamos nos deter no Real, pois como escreve Sônia Vicente (2006) No registro do real, o amor visa o ser, que permanece em fuga perpétua, reduzindo-se, sem o saber, à relação com o objeto da fantasia”.

Lendo o trabalho de Sônia Vicente - Amor Louco - é possível seguir algumas pistas que indicarão possíveis respostas. A psicanalista referendando Lacan diz que um homem é para uma mulher aflição e devastação. Os conflitos falados pelo homem se tornam a sua aflição e devastação. Em vários momentos do filme, quando Matthew vai contando o que viveu e o que sentiu, pode-se perceber a aflição de Helen e quanto mais se aproxima a hora da execução percebe-se a sua devastação.

Lacan, fazendo um contraponto à erotomania, sabiamente vai nos dizer que um homem é para uma mulher aflição e devastação, ou seja, são duas designações que implicam a ideia do “pior”, por serem mais danosas para o sujeito do que um sintoma. A devastação, podemos defini-la como a demanda de amor dirigida ao parceiro, que retorna sobre o sujeito feminino, sendo, então, mais o confronto com o silêncio do que com a palavra do Outro. Nesse sentido, a mulher, na posição de devastada, pode ser conduzida, por não se sentir reconhecida por um homem, à privação extrema, à morte. Mas pode ser conduzida também a um estado de deslumbramento, de felicidade extrema. Portanto, a devastação revela-se como a outra face do amor, que se apresenta fora sentido, fora sexo; um fenômeno que não conhece limites, cuja ressonância se traduz em um: “você é apenas o que eu sou”. VICENTE, Sônia – AMOR LOUCO.

Freud em sua conferência XXXIII intitulada ‘Feminilidade’ faz uma afirmação que o que constitui a masculinidade e a feminilidade é uma característica desconhecida e que foge ao alcance da anatomia. É possível conhecer esta característica? Lacan afirma que a ‘a mulher não existe’, amplamente comentado em vários textos e inúmeras abordagens. Através das fórmulas quânticas da sexuação propostas por Lacan, demonstra-se que a mulher por não ter um significante que a represente não vem fazer parte de um conjunto fechado, mas sim de um conjunto aberto e infinito. De onde se conclui que não existe uma lei que possa generalizar as mulheres.

É possível entender como Hellen se posiciona no oposto da maioria, isto é, ao lado de Matthew. Ao recorrer a Jacques Alan Miller em seu livro “Parceiro-sintoma” este afirma que a causa de desejo da mulher é o “amor louco” e que seu modo de gozar é a devastação. Afirma também que sua estrutura é “incompleta-não toda” e que sua medida é o excesso. Coloca nesta obra ainda, que os ideais femininos chegam através do homem.

Ao perceber a dedicação de Hellen para com Matthew aumentando na medida em que se aproxima o dia da execução, cabe uma pergunta: Pode-se associar o ‘outro gozo’ feminino com a pulsão de morte?

A dialética dos gozos mantém toda uma lógica relativa à pulsão de morte e à pulsão sexual. Pois sendo a pulsão sexual interditada, inconsciente, ela estará necessariamente sob o domínio da significação fálica, e o gozo, por sua vez, também terá que passar por aí. É só a partir do significante que podemos traçar o que fica fora dele. O gozo ilimitado, místico, pertence à pulsão de morte. O gozo a que temos acesso é submetido à lei do significante falo, logo responde à pulsão sexual, essa estranha combinatória do real do gozo com o simbólico do significante - o que de morte se impõe à vida. TOLIPAN, Elizabeth – OS PARADOXOS DO GOZO.

Um momento interessante no filme é quando o capelão pergunta a Hellen se já estivera antes em um presidio e mediante a resposta que era a primeira vez, faz uma advertência que seria usada por Matthew e que o uso do hábito de freira poderia mantê-lo afastado. Usando a característica histérica de se excetuar, ela comparece ao primeiro encontro (e a todos os outros) sempre vestindo roupas comuns.

Outro ponto do filme que chama a minha atenção é quando o advogado chamado por ela para defender o condenado em sua apelação, diz que ela era a primeira mulher a ser conselheira espiritual de um morador do corredor da morte, e como precisaria passar muito tempo inclusive o dia todo que antecedia a execução isto seria feito melhor por religiosos homens. Mesmo com estas ponderações, a freira insiste em continuar em seu intento. Que ‘estranho’ prazer Hellen sente ao frequentar um lugar de homens a espera da morte e sem mais nada a perder? É possível encontrar a resposta no texto de Elizabeth Tolipan quando escreve sobre Os Paradoxos do Gozo:

Mas há em todo sujeito uma dimensão de risco, de risco de vida, devido à pulsão de morte. E é aí nesse ponto onde se goza. Esse é um risco de vida mesmo, que pode aparecer em pequenos atos excessivos, no cotidiano, como dirigir em alta velocidade, comer muito, beber muito (sempre referente a excessos). Não há sujeito que não corra tais riscos. E se ele existe - o risco, uma dimensão além do prazer estará em jogo. E o gozo quando não articulado ao significante, predominantemente pulsão de morte, é experimentado como sofrimento. TOLIPAN

Ao se tornar sua conselheira espiritual, ela passa a escutar as palavras que Matthew lhe fala, e como diz Lacan em um de seus seminários que o gozo sexual passa pela palavra e não pela relação sexual. Ele também relaciona o gozo com o saber e a verdade, as duas coisas que estavam em jogo na fala escutada por Hellen.

Lacan já no final do seu ensino, afirma que o amor é uma tentativa de suprir a impossibilidade da relação sexual. A mulher Hellen já havia escolhido um dos seus gozos, o de não ter vida sexual que lhe permitiria sentir o amor-paixão, e por isto, se dedicasse aos serviços de caridade como uma forma de sublimar este gozo. Então outra questão é o que a faz se envolver com Matthew? A resposta está também no texto do Sonia Vicente, onde um gozo maior toma lugar deste gozo fálico. O gozo do Outro.

O amor-paixão é desejado, na condição de jamais admitir o seu sentido real, ou seja, o fato inconfessável de que ele está ligado à morte. Quem confessaria que deseja o aniquilamento do seu ser? Então, paradoxalmente, todo obstáculo ao amor é o que vai sustentá-lo, para exaltá-lo, no obstáculo absoluto, que é a morte. Lançar-se ao instante supremo do prazer total, alcançar o Nirvana, é morrer. Não sem motivo, em francês se diz “La petit mort”, para se referir ao orgasmo. VICENTE, Sônia – AMOR LOUCO.

Longe de apontar respostas universais para as questões formuladas anteriormente, desejo apenas provocar reflexões que orientem a experiência psicanalítica de abrir (desejo) e fechar (gozo) somente permitido a quem se atreve a fazer um processo de análise pessoal.


REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Marizabel - A MULHER E O AMOR – trabalho apresentado em 18/06/2005 na Escola Lacaniana da Bahia.
FREUD, Sigmund – FEMINILIDADE – Versão Eletrônica da Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud – Vol XXII – IMAGO.
LACAN, Jacques – SEMINÁRIO XX – mais, ainda – 2ª Edição – Jorge Zahar Editor – RJ – 1985.
MILLER, Jacques-Alain – EL PARTENAIRE-SÍNTOMA  - 1ª ed. - Buenos Aires: Paidós,2008.
NASIO, Juan-David – UM PSICANALISTA NO DIVÃ – R.J. – Zahar / 2003
VICENTE, Sônia – AMOR LOUCO - Trabalho apresentado na XII Jornada EBP-BA / Declínio do Amor e Círculo Psicanalítico da Bahia XVIII jornada /Novas dificuldades da clínica psicanalítica/ 2006. 
TOLIPAN, Elizabeth – OS PARADOXOS DO GOZOLetra Freudiana-Ano XI-ns 10/11/12