sábado, 24 de setembro de 2011

Psicanálise e a Terapia de Casal - uma introdução

Há milhares de anos se discute sobre o amor e o casal. Estes temas sempre foram explicitados em livros, músicas e nas artes. Os tempos atuais colocam no centro das discussões a família. Casamentos, divórcios, novos casamentos, com isto a família dentro dos modelos conhecidos já quase não subsiste. Apregoasse aos quatro ventos que a família está em crise.

Um dos campos mais promissores da psicoterapia é aquele que tem a família como objeto de estudos. Hoje existe uma substanciosa literatura científica referente essa temática, provinda de distintas correntes, com os respectivos seguidores, os terapeutas de família. Têm-se o Modelo Sistêmico, a Terapia Familiar Estrutural, a Terapia Estratégica Breve, o Grupo De Milão e a Abordagem Psicanalítica. Não é o objeto deste trabalho esmiuçá-las, mas sim de aprofundar a abordagem psicanalítica no seu aspecto vincular. Especificamente as ligações que se estabelecem entre um homem e uma mulher numa relação conjugal.

Cada uma das correntes mencionadas segue os seus próprios referenciais teóricos e técnicos, com abordagem técnicas e táticas bastante distintas entre si. Os princípios psicanalíticos estão mais dirigidos aos diversificados tipos de conflito que procedem do inconsciente dos indivíduos e dos grupos. Os sistêmicos, por sua vez, privilegiam o funcionamento de um casal ou família, sob o enfoque de um sistema, e isto é, esses terapeutas trabalham um nível mais próprio do consciente e ficam mais voltados para permanente interação que sempre existe entre todos os integrantes de uma família, com uma determinada ocupação de lugares e de papéis, por parte de cada um deles, de sorte que cada um influencia e é influenciado pelos demais.

É encontrado na atualidade, um número cada vez maior de terapeutas que defendem a terapia de família ou de casal, sob o ponto de vista holístico isto é, que abrange ao mesmo tempo uma compreensão psicanalítica com outra sistêmica e outra cognitiva.

A psicanálise, como sendo uma forma de reflexão e prática, tenta compreender e estabelecer a maneira como se opera esta díade homem-mulher, fundamentada na interação de desejos e necessidades de cada um dos parceiros. Entra em cena para esclarecer o que está por trás dos ornamentos do imaginário.

Este trabalho visa basicamente abordar certos elementos que podem ser encontrados no decorrer da prática clínica psicoterápica de casais de base psicanalítica. Nele pretende-se identificar e discutir alguns aspectos específicos à dinâmica do casal, pelo qual se inicia uma família.

A proposta deste estudo vai além da tentativa de dissertar sobre o encontro amoroso, vai dizer da possibilidade ou da impossibilidade de manutenção deste primeiro momento, desta ilusão de completude, deste amor esférico. Propõe-se aqui, pensar na díade homem-mulher e no amor. Para tanto, o estudo irá direcionar-se para o questionamento do que possibilita o encontro amoroso e inferir sobre o que desencadeia o desencontro.

Sob o viés psicanalítico o termo casal (matrimonial) designa uma estrutura vincular entre duas pessoas de sexos diferentes, a partir de um momento dado, quando estabelece um compromisso de fazer parte dela em toda a sua amplitude, possam cumpri-lo ou não. Ele é considerado como origem da família, do ponto de vista evolutivo e convencional.

Psicanaliticamente pode-se pensar que o casal se desprende do núcleo familiar, de onde se originam seus modelos, levando em conta o desejo dos diferentes egos de uma família, de perpetuar-se no tempo através da transmissão do desejo de ter filhos, transformado no desejo de possuir uma família, mediante vinculo de aliança. A primeira dificuldade para a constituição do casal surge da dificuldade do mundo psíquico de cada um dos seus membros, derivada da resolução trabalhosa, difícil, nem sempre terminada, da separação de seus vínculos familiares.
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sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O Professor, a Psicanálise e a motivação do aluno

Hoje constatei como é possível ser capturado pelo discurso Capitalista de Lacan no exercício da docência. Li um artigo de um Administrador e professor universitário aceitando que a motivação do aluno em classe depende dele (professor).

O discurso Capitalista é o quinto laço social elaborado por Lacan. Ele junta-se com os discursos do Mestre, da Universidade, da Histérica e do Psicanalista. Eles articulam como o sujeito se relaciona com a verdade, o saber e os objetos. Os discursos são referências na psicanálise e são usados para analisar como as relações humanas interagem.

Estou preparando uma palestra para a Semana da Educação da IES, onde ministro as disciplinas de Estratégia Empresarial e Administração de Serviços para o curso de Administração. Nela busco mostrar como o discurso da Ciência (a visão matemática) – e por consequência o discurso Capitalista tomou conta do mundo que chamamos de pós-moderno. Em todas as áreas, e também na Educação, busca-se universalizar (valer para todos) alguns conceitos que não são possíveis (e nem passiveis) de universalização.

Freud numa das suas famosas frase-conceito, afirma que existem três profissões impossíveis de serem exercidas. A de professor, de psicanalista e de governar (administrar). Ele afirma isto porque  o ser humano está sempre buscando satisfazer suas necessidades e ou seus desejos num processo de demanda sempre insatisfeita e por isto não irá ‘agradar’ a todos os envolvidos nestes três processos. Um administrador nunca irá satisfazer todos seus administrados, um professor nunca irá satisfazer todos seus alunos e um psicanalista não satisfaz seus pacientes.

A psicanálise mostra que todo processo de motivação está articulado a uma falta essencial que é adquirida  ao nascer, e que para preenchê-la iremos montar estratégias e criar, através das nossas fantasias, objetos (o saber, eletrônicos, pessoas, etc.) que terão este poder.

Até alguns anos passados, o mundo era calcado em ideais e na ética, hoje estes ideais caíram (sem falar na ética) e o que vale hoje é a capacidade de satisfazer os desejos e necessidades do mercado (leia-se – das pessoas).

A grande maioria das instituições de ensino volta-se para as leis de mercado, pois toda a organização capitalista tem como objetivo primeiro o lucro. Nesta forma de pensar é preciso identificar o cliente, que nesta situação será o aluno e não mais a sociedade que precisa de profissionais competentes (com saber). Para agradar este ‘cliente’ é necessário satisfazer a necessidade e/ou desejo dele que, muita vezes, é o de apenas possuir um ‘canudo’ e não o ‘saber’.

Portanto colegas Administradores e Docentes, o que motiva é a falta interna de algo, e não um objeto (professor) que é apenas um semblante do saber que o aluno deveria procurar, o ‘saber fazer’ de uma profissão. Se pensarmos que o professor é o motivador do aluno em sala de aula é estar contribuindo para que o canudo se transforme, cada vez mais, em mercadoria e que pode ser conquistado apenas pelo dinheiro e não pelo sacrifício de horas de lazer e pelo esforço de estudar durante várias horas.

domingo, 4 de setembro de 2011

O Casamento e a Terapia de Casal de Orientação Psicanalítica

O Texto abaixo faz parte da monografia de pós-graduação em Terapia de Família :


ABORDAGEM PSICANALÍTICA DA GÊNESE DO APARELHO MENTAL, DAS FANTASIAS E DA FORMAÇÃO E ESTRUTURAÇÃO DOS VÍNCULOS NA TERAPIA DE CASAL


Todos esperam serem felizes no casamento. Quando apaixonados todos os olhos estão voltados para a pessoa amada. Não é à toa que todos os contos infantis terminam com o encontro daquela que tanto sofreu com o príncipe encantado e finalizam com "e foram felizes para sempre". Como se houvesse um grande desejo de parar o tempo. Por parte das mulheres, a vontade de ser protegida e ter filhos são um exercício desde menina. Quando cresce aspira também a ser protegida pelo marido. Para os moços, a expectativa é de ser acolhido num ninho de compreensão e amor. Ela acredita poder realizar todos os sonhos levantados nas brincadeiras de casinha, e isto é normalmente reforçado pelos homens que acabam sendo formados para dar conta de tudo, e quando isso não ocorre, se vêem desprestigiados. Com isto ocorre aqui um grande choque entre sonhos e realidade. Os ideais muitas vezes acabam atrapalhando o entendimento do casal. 

Ter que lidar com o fato de serem duas pessoas diferentes sempre é problemático. Quando se está apaixonado, o outro é o bem total, e o eu nem é merecedor de tanta perfeição.  Esse sentimento vem de quando o bebê está com fome e esperneia pelos cuidados e vem a mãe ou sua substituta atendê-lo aliviando a fome e o desespero; isto deixa uma sensação de grande prazer e gratidão para com a mãe, até a próxima mamada, quando tudo vai se repetir.

É importante reconhecer as diferenças entre os componentes do casal. A diversidade é trabalhosa, mas é muito mais estimulante. Uma mulher que tem suas experiências profissionais, seus relacionamentos de amizade, suas idéias, tem muito mais a contribuir no casamento do que aquela que só tem olhos para o marido. Quem dá muito, cobra muito. Um homem que vibra com as próprias coisas e uma mulher que têm várias fontes de satisfação têm mais condições de tornar seu casamento criativo. Porque diferentes são todos. Todos sedentos de amor. Numa situação na qual o amor é tão fundamental, a vida fica insatisfatória e pobre. Insatisfatória porque a bem aventurança da paixão é passageira.


Estados de amor no adulto são necessariamente alternados com insatisfação. A única situação de absoluta dependência do outro que faz bem é aquela do bebê com sua mãe. Não é bom para aquele que depende, nem para aquele que é o objeto da eleição. Se um dos cônjuges tem como único projeto estar colado ao seu parceiro, está perdido, porque, mais cedo ou mais tarde vai se dar conta de que são dois e não um só. Se forem iguais é porque um está tendo que abrir mão do que pensa, da própria personalidade. No fundo fazem isso para evitar atritos, acreditam que as discussões desgastam a relação. Isto é péssimo para qualquer relacionamento. Estes casamentos estão apoiados em doutrinas: dá para falar, não dá para falar.

Construir um relacionamento fundamentado na liberdade e não no apego e possessão é essencial para o fortalecimento do casal. Saber disso é a base para uma relação de crescimento.

Envolvidos pela magia do enamoramento, muitas pessoas acabam esbarrando no que Freud denominou "amor narcisista". Facilmente o ser humano cai na armadilha do "amor como reprodução".  Este fenômeno é provocado pela projeção de um indivíduo no outro. É amar no outro a própria imagem, ou as características que gostaria de ter.

Este comportamento diminui as chances da pessoa permanecer no estado amoroso, pois mais dia, menos dia, acorda e percebe a ilusão criada por sua própria fantasia. É o instante em que a cortina cai e o outro é visto sem as vendas de quem está tomado pela poção do amor.

Para construir uma relação são necessárias três etapas que devem ser vencidas; cada uma dela exige muitas vezes um trabalho psíquico com o qual os componentes do casal não foram aparelhados nas suas fases primordiais do desenvolvimento humano.

1. Enamoramento - quando o outro é tudo para nós! É uma fase muito útil para casar-se...;
2. Descoberta - quando descobrimos que a outra pessoa não é exatamente aquilo que esperávamos. Esperanças e alegrias coexistem com as decepções e tristezas;
3. Maturidade - quando se descobre o valor do outro como ele é e não como poderia ser. Tolerância e companheirismo

O tempo de duração do estado prazeroso de descoberta, só depende da forma como se vai lidar com os aspectos reais, menos românticos do outro. O mar de rosas do primeiro momento se revela um oceano complexo, cheio de inseguranças, possíveis neuroses e dúvidas.

Se a pessoa não tiver estrutura para aceitar o outro de forma adequada, um afastamento é inevitável; quando o casal consegue manter o respeito à individualidade, estabelecendo um relacionamento de troca, é possível que a magia do encantamento inicial nunca se esgote. Ela se transformará, junto com as mudanças e o aprofundamento da relação.