terça-feira, 22 de novembro de 2011

‘PSICOPATOLOGIA’ NA SALA DE AULA NA CONTEMPORANEIDADE - UMA VISÃO PSICANALÍTICA

O saber pedagógico tem, ao longo do tempo, concebido formas diferenciadas da prática educacional. As concepções Humanista, Liberal-Tradicional, Tecnicista e Reprodutivista permeadas pela Concepção Dialética da Educação tornam evidente o comprometimento da ação educativa com alguma perspectiva filosófica ou política, que consciente ou inconscientemente é assumido na prática da ação educativa. Fanoel Messias dos Santos, Especialização em Psicopedagogia.



A ideia de escrever sobre este assunto vem da angústia que sinto ao desenvolver minhas atividades como docente em uma renomada instituição de ensino superior nos cursos de Administração de Empresas e Ciências Contabéis. O título é uma referência ao texto de Freud “A psicopatologia da vida cotidiana” escrito em 1901.

Resolvi tomar o caminho da docência, motivado pelas vivências na área da Administração ao longo de mais de 30 anos de atividades como Administrador e Consultor Organizacional. Esta ultima atividade me levou a encontrar a Psicanálise como teoria e depois como teoria de uma clínica. Para que não se perdessem as experiências adquiridas pela minha formação acadêmica resolvi então, trilhar o caminho da docência.

O mal estar na educação contemporânea encontra-se caracterizado pelas queixas dos professores: perda do desejo de ensinar, adoecimento, insatisfação e desânimo, dificuldades para aplicar os conhecimentos de sua formação e de sua prática, etc. Sintomas estes que foram acolhidos de forma geral na denominada Síndrome de Burnout.

Na outra ponta do processo, a do aluno, encontra-se em grande escala a desmotivação para o aprendizado, a falta de pontualidade, as faltas, as dificuldades de compreenderem as abordagens, alto nível de agressividade, passividade generalizada, as dificuldades para a leitura e compreensão de textos, a ausência de leituras técnicas sistemáticas, tudo isto gerando também angústia tanto neste quanto naqueles primeiros..

Sabe-se que Freud em 1925 no texto “Prefacio a uma Juventude Desorientada de Aichhorn” (1925),afirma que três profissões são impossíveis: educar, curar (psicanalisar) e governar. Esta afirmação ocorre porque em todas elas é possível saber que o resultado será insatisfatório. A maioria dos professores sabe disto mesmo que de modo intuitivo.

Para tornar mais clara esta linha de raciocínio, mergulho na lembrança à minha época dos bancos de universidade no final da década dos anos 60. O Brasil e o mundo passavam por grandes transformações que iam da revolta dos estudantes na França até o início dos governos militares no Brasil. Posso recordar como muitos colegas e eu olhávamos os professores. Eles, mesmo os mais exigentes, eram visto como modelo de profissionais que tinham conteúdo para nos ensinar. Não havia professor ‘bonzinho’. Havia os exigentes e os não tão exigentes. Olhávamos o futuro como algo a ser conquistado para melhorar a vida de todas as pessoas, havia o ideal de liberdade, a busca de um lugar profissional de respeito, enfim eram muitas as bandeiras.

O que acontece com muitos alunos de hoje? O que os motiva? O que querem do futuro? Perguntas que muitos de nós professores nos fazemos e que não encontramos respostas vinda da parte deles.  Como estudioso da Psicanálise, de Freud, Lacan, Miller e de outros psicanalistas, busco ajuda  dos seus saberes para articular algumas respostas.

Sabendo que a Psicanalise é a teoria de uma pratica, farei uso dela para um campo que não é dela, a Educação. Usarei a Psicanálise para ver a Educação com enfoque psicanalítico.

Para responder nossos questionamentos, é possível focar dois tópicos da teoria psicanalítica. Um  é o conceito de transferência e o outro a relação do Ideal de Eu e Eu Ideal.

O conceito de transferência aparece pela primeira vez no texto de Freud, escrito em 1895 “A Psicoterapia da Histeria” e em toda extensão do seu trabalho mostra sua importância na clinica psicanalítica. Em 1920 no texto “Além do Principio do Prazer”, Freud a identifica como permeando as diversas relações do sujeito com o outro.

O viés da transferência em Freud e sua revisão em Lacan, o Sujeito suposto Saber, evidencia a importância deste tópico no processo de aprendizagem.

A aquisição de conhecimento depende da relação do aluno com seus professores e seus colegas, numa referência à relação transferencial que faz com eles, enquanto representantes de seus pais e irmãos....O conceito de transferência designa o processo utilizado pelos desejos inconscientes para, não só na relação analítica, repetir as experiências infantis vividas, agora, como atualidade. Sigmund Freud  “Algumas reflexões sobre a psicologia escolar”  

Onde está o desejo do aluno pelo saber? Todos que estudamos psicanalise sabemos que Freud afirmava em seus três ensaios que a estruturação da atividade intelectual ocorre a partir da atividade sexual. Ele afirma ainda que a “sexualidade” e a “atividade do pensamento” caminham juntas durante a primeira infância e se definem pela relação do sujeito com o saber. Lacan na abordagem do desejo como fator de busca, nos diz que o desejo é, uma questão que busca resposta no campo do Outro, isto é, que faz investir no lugar transferencial do outro.

Os estudos dos conceitos psicanalíticos mostram a ligação essencial entre o desejo do sujeito e seu nível de motivação. Sabemos que o desejo vem de uma falta, e esta falta para produzir o desejo pelo saber está relacionada com a questão “de onde vem os bebes”? Freud chamou de pulsão epistemofílica e que quando inibida ocasiona a suspensão dos investimentos cognitivos, que por sua vez provoca a passagem do desejo de saber para ‘nada saber’. Este acontecimento irá desarmar o surgimento da transferência (sujeito que quer aprender) e deste modo o não acontecer do Sujeito Suposto Saber

O sujeito não é instinto, mas sim cultura e esta, o captura através da linguagem veiculada pela fala. No âmbito escolar, é o professor que apresenta o saber através de uma fala estruturada pela linguagem. Se está presente no aluno o desejo de aprender esta fala do professor, baseada na transferência tem o Sujeito Suposto Saber ancorando a pulsão do saber, provoca o efeito desejado que é o conhecimento.

Sabemos ainda que segundo Lacan, o recalque originário é o meio através do qual somos inseridos na corrente da cultura e da civilização, quando o Nome do Pai vem interditar o Desejo da Mãe. Esta inserção abre as séries de buscas pelo objeto faltante.

Segundo Lacan (1978), o recalque originário é o processo que introduz o sujeito na corrente da cultura e da civilização, ensinando-o a substituir o real da existência (desejo de ser para a mãe) por um símbolo e uma lei (o pai e a família). Os interditos todos para os quais o homem precisará de um símbolo que os represente pré existem ao sujeito, estão na própria cultura e chegam a ele através da linguagem. Por essa razão, Lacan se refere à ordem do simbólico como algo que constitui o homem. É o homem que, de recalque em recalque, nela se insere. Onde se esconde o  desejo  de aprender do aluno? Ayrton Rodrigues Reis e Orion Penna e Souza

Neste viés é possível afirmar que o recalque ocasionado pela castração é uma primeira condição para a configuração da transferência  (desejo de saber).

De fato, o desejo de saber "o quê o outro quer de mim?" dirige-se ao seu reconhecimento pelo outro, por isso busca saber sobre o desejo do outro. Como sua angústia tem origem na falta que lhe é presente, a castração, a sua busca consiste em saber sobre o próprio desejo, o objeto a. Fanoel Messias dos Santos, A Transferência  e o Fracasso Escolar..

Concordo com um colega psicanalista e também professor quando ele diz que os professores são tratados como mercadoria e que a cada dia o Sujeito Suposto Saber, ou seja, a transferência do aluno para o professor está cada vez mais abalada.

O sujeito pós-moderno, por ser efeito de discurso – e de um discurso que emergiu mediante a queda do pai, ou seja, o discurso capitalista –, é um sujeito para quem o desejo não é falta, senão capricho, vontade de gozo. O desejo do sujeito pós-moderno é vontade de gozo porque o discurso capitalista tem a lógica insensata e feroz do supereu. Mais: poderíamos dizer que o discurso capitalista é o supereu do sujeito “pós-moderno”. Discurso capitalista e supereu articulam-se num mesmo imperativo: “Goza!”, mas não do imperativo da renúncia, como ordenava o supereu “moderno”, e sim de um modo infernal e ilimitado, goza do objeto técnico, do objeto que é efeito do discurso da ciência. Eduardo Riaviz  - Modernidade, pós-modernidade e  fundamentalismo (uma leitura lacaniana)

Qual a diferença entre o ideal do Eu e o Eu ideal dos alunos da década de 60 e os alunos do século XXI? Podemos chamar estes dois elementos de subestruturas do Supereu. Freud referencia a eles no seu texto de 1914, “Sobre o narcisismo: uma introdução”

O eu ideal é, para Lacan, uma formação imaginária, herdeira da imagem de si, que se constitui no Estádio do Espelho. O Ideal do eu é uma formação simbólica que sustenta, autentifica e significa a imagem do eu ideal.  Noutras palavras, o sujeito se identifica, por um lado, com uma imagem (eu ideal) e, por outro lado, esta imagem é significada a partir dos significantes (Ideal do eu) que lhe vêm do grande Outro. Estes significantes que, vindos do Outro, constituem o Ideal do eu, não apenas sustentam, autentificam e significam a própria imagem, senão que também nos dão um “ser” que nos faz formar parte de classes lógicas, de universais. Eduardo Riaviz - Modernidade, pós-modernidade e  fundamentalismo (uma leitura lacaniana)



Os anos 60 foram marcados por ideias de liberdade e participação. Podemos ver neste viés que o sujeito daquela época tinha uma bandeira, na qual acreditava e por isto sacrificava muitos desejos para ver seu ideal atingido. Ele estava sob a égide do desejo no sentido de buscar um mundo melhor. O sujeito de hoje, por estar imerso no discurso capitalista, está fascinado pelos objetos técnicos e com ele goza.

Na pós-modernidade, com a queda do pai, não só nos deparamos com o retorno dos particularismos, excluídos pela lógica moderna, senão que também nos encontramos com uma ordem que não dispõe do universal moderno para incluir excluindo as diferenças. Portanto, o único recurso que esta nova ordem encontra para se preservar é a segregação do diferente, e a única “lei” de ferro que a garante ela a encontra no campo de concentração.[1] Isto não impede que, além da segregação contemporânea e os muros que a defendem, surjam vozes em defesa dos direitos humanos. Mas o paradoxal destas vozes é que não sustentam o direito a um gozo Outro, senão que exigem uma justiça distributiva do objeto técnico. O imperativo que os comanda é gozo para todos, mas gozo extraviado no objeto técnico. . Eduardo Riaviz - Modernidade, pós-modernidade e  fundamentalismo (uma leitura lacaniana)



Vivemos em tempos caracterizados pelos excessos, onde o gozo toma o lugar dos ideais , das bandeiras. Ser professor ‘educado’ na escola antiga, a do esforço na busca dos objetivos em longo prazo, é difícil, pois temos uma juventude ‘educada’ na escola das facilidades e do não esforço. Pode-se perguntar qual a saída para os professores para conter suas angústias e suas questões? Será que existe resposta para estas questões?

  

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DOR, J. Introdução à leitura de Lacan: O inconsciente estruturado na linguagem. Tradução de Carlos Eduardo Reis; Supervisão técnica da tradução de Cláudia Corbisier, Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. 203 p.

_______. Introdução à leitura de Lacan: Estrutura do sujeito. Tradução de Patrícia Chittoni Ramos; Supervisão técnica de Francisco Franke Settineri, Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1995. 2v. 258 p.

FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

REIS, AYRTON REIS, et all. Onde se Esconde o Desejo de Aprender do Aluno. Available from: http://www.ufsm.br/lec/01_01/Ayrton-OrionL5.htm. Acess on: 01 NOV 2011.

SANTOS, Fanoel Messias dos. A transferência e o fracasso escolar. In: COLOQUIO DO LEPSI IP/FE-USP, 5., 2004, São Paulo. Available from: <http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000032004000100026&lng=en&nrm=abn>. Acess on: 30 OUT. 2011
RIAVIZ, Eduardo - Modernidade, Pós-Modernidade e  Fundamentalismo (Uma Leitura Lacaniana).