quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A GRAMÁTICA DO LACANÊS


Este texto foi publicado no site  http://www.ipla.com.br/index.php?id=404


Autora: Claudia Riolfi


Já passou da hora de os psicanalistas diferenciarem um amontoado de palavras de algo que merece o nome de texto

Não é raro encontrar leitores se queixando da falta de clareza e de inteligibilidade de textos assinados por psicanalistas. É mesmo necessário que seja sempre assim? Não acreditamos. Na esperança de que esta queixa não revelasse uma tendência, nós examinamos um grande número deles. Descobrimos que muitos são bem escritos, mas outros, ai meu pai: ora não se encontra o sujeito da frase, ora as imprecisões não permitem decidir por um ou outro sentido, ora a oração não terminou e por aí vai...


É pena. Ao se deparar com este tipo de escrita, os jovens tendem a achar que o problema de compreensão está com eles. Não percebendo que o texto precisa estar escrito no vernáculo para ser compreendido, as novas gerações tomam a falta de legibilidade como se fosse deles e, o pior, acabam pensando que a psicanálise é algo difícil demais.

Por que os analistas se recusam a utilizar a língua portuguesa e insistem em escrever em lacanês? Porque vacilam na execução dos procedimentos necessários para reinventar a prática clínica e reescrever a psicanálise. Fascinados com o heroísmo das gerações precedentes, as novas gerações não conseguem fundar para si um lugar enunciativo único. Papagaiam. Ao escrever, limitam-se a repetir as palavras de seus mestres de maneira irrefletida e atemporal.

Para além do efeito cômico, este mimetismo faz com que fiquem no limbo. Consequentemente, seus textos estão sujeitos a uma gramática bastante peculiar, fora das leis da linguagem comum. Para não ferir suscetibilidades, forjemos um exemplo, muito parecido com os excertos que de fato são produzidos por colegas. Suponhamos que um psicanalista, ao tentar discorrer a respeito de sua clínica, tenha escrito o que segue: “Em minha reflexão, busco submeter os conceitos da psicanálise à prova clínica visando a forçá-los a produzir novas elaborações.”.

Tal excerto, caso lido por um psicanalista jovem, poderia gerar muita dúvida. Como assim? São os conceitos ou as pessoas que trabalham? Para responder a isto, analisemos a retomada anafórica por meio do uso do pronome “los”. Ele retoma o sintagma “os conceitos da psicanálise”. Deste modo, conclui-se que uma paráfrase possível da oração forjada por nós é: “Eu forço os conceitos a produzir novas elaborações”.

Gente, que conceitos produtivos e animados! Seria até bonito de ver os conceitos, magicamente, elaborando a psicanálise, sob a chibata dos psicanalistas transformados em feitores de conceitos-escravos, mas, infelizmente, tal coisa só ocorre na fantasia de nosso autor fictício. Haja prosopopeia e paciência!

Os efeitos deste tipo de escrita que aqui forjamos à guisa de exemplo tem afastado a sociedade civil da psicanálise e colaborado para aumentar a suspeita de falta de rigor e de misticismo que sempre pesou sobre nossa práxis. O país está cheio de bons professores de Língua Portuguesa que podem ajudar. Não podemos mais tolerar esse tipo de “texto”. Basta de assassinar a gramática, a lógica e a paciência dos leitores.

Esconder-se por detrás de palavras ambíguas, no caso da redação de textos que têm como objetivo transmitir a psicanálise não é análogo ao ato de equivocar na clínica. É mais passível de comparação com o ato de se esconder embaixo da cama de mamãe! Lacanês é encobrimento de ignorância e de preguiça, não é trabalho.

Chega de lacanês!


sábado, 8 de dezembro de 2012

EROTISMO OU PORNOGRAFIA?


Colaboração com o caderno NA MIRA coluna "QUEBRANDO TABU" do jornal O ESTADO DO MARANHÃO no dia 07.12.2012





Nossa coluna “Quebrando Tabu” recebeu um e-mail com uma pergunta interessante que muitas pessoas devem se fazer.

“Tenho ouvido pessoas falarem no livro Cinquenta Tons de Cinza. Alguns dizem que ele é erótico e outros que é pornográfico. Qual a diferença?”

É necessário lembrar que sexualidade na visão psicanalítica é um componente fundamental do ser humano e que estabelece uma relação íntima entre a afetividade, a ternura e o sexo. É através dela que podemos exprimir o amor, o amor Eros, as relações afetivas e os contatos físicos, psíquicos e sentimentais.

Não faz muito tempo que se tenta diferenciar erotismo de pornografia. As características sociais e diferenças culturais dificultam a clareza dos limites entre os dois termos.

Nada mais sábio para tirar dúvidas sobre palavras do que procurar um dicionário. No dicionário informal online da língua portuguesa diz: “Erotismo um conjunto formado por ações e comportamentos que uma determinada sociedade desenvolve no decorrer de sua existência, como uma forma de expressar.”, isto é, o que é relativo ao amor sensual ou sexual.

O mesmo dicionário informa que “pornografia é a descrição de coisas consideradas obscenas; ação ou representação que ataca ou fere o pudor, a moral ou os considerados bons costumes”.

Recentemente procura-se diferenciar o erotismo da pornografia pelos aspectos estéticos e éticos. Os conteúdos chamados de pornográficos são mais explícitos, e as relações sexuais têm aspectos independentes de compromisso e afeto.

Ambos, erotismo e pornografia tem a finalidade de estimular o impulso sexual, o primeiro elemento do desejo sexual que abordamos na coluna passada. Estão ligados pelas fantasias, que se realizam ao nível do imaginário.

As fantasias são características inerentes à mente humana e estão presentes desde o faz-de-conta da criança até o momento da morte. Tais fantasias  são responsáveis pela atividade sexual do indivíduo. As fantasias originadas pelo erotismo estão mais presentes no imaginário feminino, enquanto as originadas pela pornografia estão mais presentes no imaginário masculino.



Ernesto Friederichs Mandelli, Psicanalista com especializações em Sexualidade e Educação Sexual. E-mail:mandelli@elo.com.br - twitter: http://twitter.com/efmandelli

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A FALTA DE IDEAIS NO INÍCIO DO SÉCULO XXI

Muitas vezes tenho questionado sobre o que está acontecendo com nossa juventude e em uma postagem anterior, fiz uma comparação com os alunos de ontem e os de hoje.
 
Nesta entrevista feito pelo psicanalista Jorge Forbes com o filósofo Luc Ferry, podemos ter  uma ideia mais profunda e mais abrangente sobre os ideais das pessoas nos tempos atuais.
 
Convido você a assistir e fazer uma reflexão.

 
 
 
 

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O DESEJO SEXUAL NO HOMEM E NA MULHER

Colaboração com o caderno NA MIRA coluna "QUEBRANDO TABU" do jornal O ESTADO DO MARANHÃO no dia 16.11.2012


Através da “Quebrando Tabu” procuro ajudar as pessoas com suas dúvidas sobre a sexualidade. Como eu disse na coluna anterior, seguidamente sou convidado para responder perguntas sobre a vida sexual. Escolhi outra delas para responder.

“Por que o desejo sexual das mulheres é menor do que o dos homens?”

A vida sexual do ser humano está condicionada à chamada Resposta Sexual, e como já abordamos em outras edições, ela se compõe de quatro fases: Desejo: Excitação; Orgasmo e Resolução.

A primeira fase, a do Desejo, é a que dispõe o indivíduo à atividade sexual, e mais que uma condição fisiológica, como do nível de hormônios, ela está condicionada também à cultura (aspectos sociais) e à parte emocional (psicológica).

Os componentes do desejo sexual são:
1.      IMPULSO a parte fisiológica, isto é, a que se experimenta no corpo e que estimula a atividade sexual sendo mais ou menos independente da estimulação externa;
2.      MOTIVAÇÃO é o aspecto afetivo do desejo sexual. Ele é o determinante na assiduidade e constância da atividade sexual. A motivação representa a vontade de comportar-se sexualmente e implica na inciativa, na receptividade ou nas duas coisas. É uma força mais importante do que a do impulso sexual;
3.      ASPIRAÇÃO trata-se da influência das forças culturais sobre a sexualidade. Forças frequentemente mais importantes que os aspectos biológicos ou afetivos. Por exemplo: a mulher não deve ser expansiva e nem tomar iniciativa, devendo manter-se recatada, ou ainda preferir atividades menos eróticas.

Sabendo como se compõe o desejo sexual, torna-se possível responder a dúvida em questão. O desenvolvimento afetivo e cultural da mulher se faz de forma diferente do homem. Na mulher este desenvolvimento, na maioria das vezes, imbrica o sentimento com o desejo sexual, isto é o sentimento pelo outro faz nascer o desejo sexual.  Para a maioria das mulheres é difícil ter atividades sexuais sem sentimentos envolvidos, e se o fizerem, muitas sofrerão de sentimentos de culpa.

Os Homens, também pelos aspectos culturais e afetivos que são diferentes das mulheres, conseguem separar as duas situações. No aspecto cultural, muitas vezes os meninos são estimulados a exercerem sua sexualidade sem muitos bloqueios e de maneira precoce. Na parte emocional, o desenvolvimento masculino leva a possibilidade de separação do desejo sexual e dos sentimentos. Um homem (na sua maioria) pode estar apaixonado e mesmo assim sentir desejo sexual por outras pessoas, e se vier a manter relações sexuais, não será atormentado pelo sentimento de culpa.


Portanto caros leitores, podemos entender que os desejos sexuais femininos não são menores do que os masculinos e sim influenciados de maneiras diferentes pelos aspectos culturais e psicológicos.

domingo, 11 de novembro de 2012

FREQUÊNCIA NÃO É SINÔNIMO DE DESEJO SEXUAL

Texto escrito pelo Dr. Oswaldo Rodrigues Jr., Psicoterapeuta sexual e Diretor do InPaSex – Instituto Paulista de Sexualidade e publicado no seu blog http://terapiadasexualidade.blogspot.com.br



Quando pensamos em desejo pelas atividades sexuais cada um de nós parece que tem sua compreensão do que é este desejo. E exatamente por isso que esta discussão pode ser complicada, inclusive para profissionais de saúde.

O desejo sexual é um esquema regulador que media as necessidades físicas, as individuais e as sociais, e por sua vez é regulado por estas instâncias.

O que chamamos de desejo sexual é aquele estado de sentido subjetivo, e que pode ser disparado por percepções internas (a exemplo de pensamentos, lembranças, sensações físicas ou emoções) e externas (estímulos que atingem os cinco sentidos), e este desejo pode conduzir a um comportamento sexual externo, mas nem sempre e ser diferente entre as pessoas.

Muitas pessoas e mesmo profissionais de saúde tentam compreender se existe mais ou menos desejo sexual questionando a frequência coital. O problema é que o número de vezes que alguém faz sexo não denota, necessariamente, a quantidade de desejo sexual. A frequência de atividades sexuais é dependente de muitas circunstâncias externas e sociais, interferindo nesta compreensão.

Existe um fundo biológico nesta discussão, mas o limite desta designação natural e biológica é a reprodução. Uma vez alcançada o desejo é destituído desta condição biológica. Isto talvez explique a diminuição drástica de motivação para sexo num casal pós terem filhos...

Então, para que o desejo sexual possa surgir, várias condições são necessárias, como integridade anatômica e fisiológica, equilíbrio psicossocial e situações com potencial erótico, em geral descritas como "um clima adequado".

Nosso interesse através do consultório, no InPaSex, atentamos para a perspectiva psicológica. Assim consideramos os fatores mais importantes que afetam o desejo sexual: a ansiedade, a depressão, o estresse e fatores do relacionamento de casal.

Mas também podemos apontar vários indícios de como as pessoas sentem pouco desejo sexual:

1. Não aprenderam a perceber de forma adequada seus próprios níveis de excitação sexual fisiológica. A percepção da excitação, como sensação genital, está neles diminuída ou mal classificada.

2. Não aprenderam a facilitar a excitação em si mesmos.

3. Usam um conjunto limitado de indícios para definir uma situação como sexual.

4. Manejam um conjunto limitado de indícios para definir uma situação como sexual.

5. Têm expectativas limitadas quanto à própria capacidade de excitação.

6. Não percebem a si mesmos como muito sexuais.

E ainda precisamos considerar que o desejo sexual apresenta diferenças de gênero: em geral os homens manifestam desejos sexuais mais intensos e frequentes do que as mulheres, o que se manifesta como maior atividade sexual. O desejo sexual masculino parece ser qualitativamente diferente do feminino em nossa cultura. O homem em geral busca um objeto sexual inespecífico para obter prazer orgásmico, ao passo que a mulher busca um objeto sexual específico, com o qual estabelece uma relação afetiva. Isto leva muitas vezes a que o homem finja afeto para obter o coito e que a mulher realize o coito para expressar afeto ou como recompensa pelos sentimentos afetivos manifestados (reais ou fingidos) pelo homem.

Assim o desejo sexual é um constructo multidimensional. O desejo se diferencia em desejo sexual com e sem parceiro. Estes dois aspectos servem para finalidades diferentes. Nosso grupo de pesquisas, o GEPIPS, se encontra pesquisando um instrumento avaliatório para compreender estas diferenças, e continuamos a coletar informações a partir de pessoas que respondem a um questionário, e assim podemos comparar e conhecer estas diferenças.

Compreender o desejo sexual é fundamental para o tratamento de problemas e disfunções sexuais. Muitos profissionais de saúde se esquecem deste importante fator e falham no tratamento das queixas sexuais masculinas e femininas.

O tratamento de problemas de desejo sexual é considerado como dos mais difíceis, em especial por demorar-se mais para ser superado, mas é viável e permite o estabelecimento de um relacionamento a dois de modo adequado e satisfatório.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

QUAL A IDADE IDEAL PARA COMEÇAR A VIDA SEXUAL?

Colaboração com o caderno NA MIRA coluna "QUEBRANDO TABU" do jornal O ESTADO DO MARANHÃO no dia 26.10.2012
 
No início do mês fui convidado para responder perguntas dos alunos da oitava série do colégio COC. Entre as perguntas que foram feitas escolhi algumas para responder também através da nossa coluna “Quebrando Tabu”, pois foram questões pertinentes e inteligentes e que demonstram que mesmo tendo acesso a várias fontes de consultas, dúvidas permanecem.
 
“Qual a idade ideal para começar a vida sexual?” Esta é uma pergunta muito presente todas as vezes que faço palestras, feita muitas vezes pelos próprios jovens e outras tantas por pais que querem uma orientação sobre como se comportar em relação ao assunto com seus filhos e filhas.
 
Minha resposta tem sido sempre a mesma, e a baseio nas informações sobre a fisiologia humana e na teoria psicanalítica. A primeira nos diz que  o ser humano está apto para exercer uma vida sexual com a idade em que seus caracteres sexuais secundários se manifestarem. Sabemos que nosso corpo tem um processo de crescimento que nos leva a maturidade sexual, isto é, quando estamos aptos para procriar.
 
A puberdade inicia por volta dos 10 anos de idade quando mudanças morfológicas ocorrem devido à atuação dos hormônios testosterona, progesterona e estrógeno, produzidos nos testículos pelos meninos e nos ovários pelas meninas. Estes hormônios são responsáveis, entre outras coisas, pelo surgimento da menstruação, desenvolvimento dos seios e dos pelos no corpo e na região genital das mulheres; já nos homens faz surgir os pelos no rosto, no corpo e na região genital, além do engrossamento da voz e a produção dos espermatozoides.
 
Por volta dos 13 ou 14 anos já temos a maturidade fisiológica da sexualidade. Rapazes e moças estão aptos para terem filhos e sentirem orgasmo. Esta maturidade fisiológica está acontecendo cada vez mais cedo, acredita-se motivada pelo estilo de vida e pela alimentação.
 
E a maturidade emocional, quando acontece? O processo do desenvolvimento emocional é bem mais complexo e longo, e em muitos casos, nem chega ser alcançada completamente, podendo ser encontrados indivíduos que mesmo em idade adulta, ainda são imaturos afetivamente (emocional).
 
Freud nos mostrou que os indivíduos passam por diferentes fases no seu desenvolvimento emocional. Começamos com a primeira chamada de narcisismo, na qual somos nosso próprio objeto de amor. Somos incapazes de amar outro individuo. Esta fase vai até por volta dos 3, 4 anos de idade. A segunda fase chamada de edípica, e na qual elegemos pela primeira vez outro indivíduo como alvo do nosso amor, geralmente nosso genitor de sexo oposto.
 
A terceira fase é chamada de latência, onde nosso amor está no nível de baixa atividade. Esta fase termina quando do surgimento da maturidade fisiológica sexual. Na fase seguinte dirigimos nosso amor pela primeira vez para alguém fora do nosso círculo familiar, é a famosa paixão da adolescência. Nesta fase começamos o desligamento da dependência emocional da família e nos preparamos para a maturidade emocional, alcançada teoricamente na década dos 20 anos.
 
É possível observar que o desenvolvimento emocional (afetivo) é mais longo que o fisiológico sexual. Quando a pessoa começa a exercitar sua sexualidade ainda com pouca maturidade emocional (afetiva), mais propensa está de sofrer com  inadequações, disfunções e até transtornos sexuais.
 
Portanto a resposta para a pergunta é que cada um tem seu processo de maturidade emocional, e que esta maturidade precisa ser observada para que a vida sexual do indivíduo caminhe sem sustos.
 
Ernesto Friederichs Mandelli, Psicanalista com especializações em Sexualidade e Educação Sexual. E-mail:mandelli@elo.com.br - twitter: http://twitter.com/efmandelli
 
 

domingo, 21 de outubro de 2012

QUALIDADE EM SERVIÇOS OU SERVIÇOS QUALIFICADOS?


Como sujeito pensante e crítico dos tempos em que vivo, já há algum tempo, ao preparar as aulas de Administração de Serviços para as turmas que ministro em duas Instituições de Ensino Superior (UNDB e FABEA/FGV) me deparo com inquietações sobre as noções de Qualidade em Serviços.

Tenho lido e discutido sobre a influência dos discursos Capitalista e da Ciência no dia-a-dia das pessoas, nos seus hábitos de consumo, nas profissões e no ensino da Administração. Em primeiro quero dizer que “discurso”, na linguagem psicanalítica, é uma forma de laço social, isto é, uma maneira de relacionamento entre as pessoas e que são tecidos e estruturados pela linguagem. Esta ideia nos é apresentada por Jacques Lacan, famoso psicanalista francês que em seu Seminário 17 partiu da relação dialética introduzida pelo filósofo Hegel em “A Fenomenologia do Espírito” entre o Senhor e o Escravo.

No processo de um discurso temos de um lado o Senhor ou Mestre, isto é, aquele que domina a relação já o Escravo, é aquele que se submete e que produz um saber que será utilizado em benefício do mestre para atender seus desejos e necessidades. Nesta “dialética” temos três posições, o Senhor, o Escravo e o produto do trabalho (ou saber) deste.

É possível ver que o Senhor é o mercado e o Escravo que possui um “saber fazer” está representado pelo prestador do Serviço. Ocorre que este Senhor (mercado) sempre irá querer mais, pois está em continua insatisfação, e o produto do trabalho não gerará satisfação suficiente, pois o mercado sempre irá querer mais e/ou outro produto/serviço. Fica a questão de e como atender as expectativas geradas pelos desejos e necessidades sempre insatisfeitas?

No discurso da Ciência há uma procura da “comprovação científica” dos fatos e das respostas aos questionamentos feitos. Algo só terá validade se a Ciência der seu aval, isto é, se o experimento em laboratório produzir resultados semelhantes ao do dia-a-dia. A “verdade” procura se tornar dogmática, isto é, receber um carimbo de “provado cientificamente”.

Porém nem tudo pode ser enquadrado em normas e parâmetros. O indivíduo é um objeto que não cabe em normas e regras, isto é, será sempre uma singularidade. As relações humanas são outro exemplo desta posição, muitas vezes funcionam para o “público externo” diferentemente do que entre “quatro paredes”.

No discurso do Capital, uma quinta forma de laço social na qual não existe uma relação entre o mestre e o escravo, isto é, na realidade não existe laço social.

Como estudo da Administração se enquadra nestes processos complexos? Encontramos de um lado o desejo de dar estatuto de ciência à Administração, e do outro, as singularidades das necessidades e desejos humanos criando as expectativas dos sujeitos. Lembrando que necessidade é aquilo do qual não é possível prescindir (alimento) e desejo é uma necessidade que foi satisfeita com um plus de prazer (determinado alimento).

Fitzsimnons e Fitzsimmons (gurus dos demais teóricos dos serviços) definem Qualidade em Serviços comparando as expectativas do cliente e sua percepção sobre o serviço recebido. Se a expectativa for satisfeita a qualidade é percebida como satisfatória. Caso contrário tem-se a qualidade insatisfatória. Como é possível observar, a Qualidade em Serviços está atrelada as expectativas e a satisfação do cliente.

Os conceitos de Qualidade passaram por algumas fases, a primeira era que algo tinha qualidade quando as especificações do produto/serviço eram atendidas; a segunda enfocando a adequação ao uso; a terceira um conceito emocional, de surpreender o cliente e a quarta fase o atendimento das reais necessidades do cliente. Acredito que hoje é possível falar em uma quinta fase, a de atender as expectativas do cliente.

Os livros que uso para fundamentar as aulas, quando falam em qualidade usam sempre termos como “padrão”, “norma”, “manter a qualidade”, etc., mas ao mesmo tempo, encontram-se palavras como “customização”, “atender as expectativas do cliente”, ”intangibilidade”, “hora da verdade”, etc., mas como conciliar conceitos antagônicos?

Minha questão é: se as expectativas do cliente são únicas e singulares, como então padronizar os serviços dando-lhes qualidade?  Os serviços são produzidos enquanto consumidos, o cliente é coautor do serviço, o insumo do serviço é o cliente e um dos elementos do processo é um trabalhador. Isto significa que temos duas pessoas que interagem nesta troca e ambas possuem singularidades e diferenças próprias. Como escapar das “armadilhas” dos discursos da Ciência e do discurso da Capital?

A resposta eu acredito te achado ao ler uma entrevista do psicanalista Jorge Forbes citando o filósofo italiano Giorgio Agamben. A solução é trocar o termo “qualidade em serviços” por “serviços qualificados”, pois no primeiro caso o esforço se concentra na “qualidade” e no segundo se concentra em “serviços”. O que significa prestar um serviço com responsabilidade.

O caminho para isto está no processo de diferenciação dos serviços, como tornar a experiência do serviço uma memória viva; personalizar, mais do que customizar; reduzir a possibilidade de decepção, ou mesmo frustração pelo cliente quando da percepção do serviço recebido; controle constante sobre os valores ofertados e finalmente, sempre treinar a equipe de prestadores do serviço em simpatia e empatia.

Michael Porter diz: “A vantagem competitiva surge fundamentalmente do VALOR que uma empresa tem condições de criar para os seus clientes.” É preciso lembrar que VALOR é a capacidade que um bem ou serviço possui de atender as necessidades ou desejos do cliente. Espero que esta reflexão abra canais de discussões sobre o assunto.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

MULHERES DE HOJE - EXCESSOS E SUTILEZAS DO SINTOMA NA PSICANÁLISE

Texto publicado no site http://blogdasubversos.wordpress.com/2012/10/17/mulheres-de-hoje-excessos-e-sutiliezas-do-sintoma-na-psicanalise/

O texto a seguir é a transcrição de uma fala não revisada mas gentilmente cedida pelo autor, realizada durante a mesa preparatória das XXI Jornadas Clínicas da Escola Brasileira de Psicanálise – Seção Rio (EBP-Rio) e do Instituto de Clínica Psicanalítica do Rio de Janeiro (ICP-RJ) chamada Mulheres de hoje – excessos e sutiliezas do sintoma na psicanálise que ocorreu dia 5 de outubro no RDC da PUC-Rio.

___________________________________
Pablo Picasso – Les Demoiselles d’Avignon, 1907
Por Rodrigo Lyra*
 
Boa tarde. Gostaria de começar agradecendo ao coordenador da mesa, Guilherme Gutman, e ao Departamento de Piscologia da PUC-Rio pelo convite. Na verdade, agradeço não somente o convite, mas por terem aceitado o pedido feito por nós da coordenação das XXI Jornadas Clínicas da Escola Brasileira de Psicanálise – Seção Rio (EBP-Rio) e do Instituto de Clínica Psicanalítica do Rio de Janeiro (ICP-RJ) que consistiu em organizar uma mesa preparatória para esse evento aqui na PUC. Assim, além de agradecer o convite feito pelo Departamento e, mais especialmente, aos colegas de pesquisa do Prof. Marcus André Vieira, aproveito para também convidá-los a participarem das XXI Jornadas Clínicas da EBP e do ICP. Para que isso não fique muito abstrato, queria apresentar a vocês o tema da Jornada e compartilhar um pouco do que pensamos, um pouco do que a comissão organizadora pensou quando escolheu esse tema e, mais especialmente, esse subtítulo, isto é, o que justifica uma Jornada chamada Horizontes do Feminino – excessos e sutilezas. Vamos tentar, se for possível, falar dos ditos ‘excessos e sutilezas’ e quem sabe tentar chegar na questão do sintoma que seria, mais propriamente dito, o tema de hoje.
 
Freud e o feminino
 
Eu pensei retomar a questão lá de trás pois, a princípio, segundo a teorização freudiana mais clássica, falar em excesso com relação ao feminino não é nada evidente. A princípio, poderíamos dizer que existem em Freud duas linhas de reflexão sobre o feminino. Existiria uma principal que seria a inveja do pênis e, às margens disso, outras observações, conceitos, ideias e falas que não se encaixam tão bem nesse Freud que centraria sua teorização em torno do falo, também dito falocentrico.
 
A questão da inveja do pênis coloca a mulher numa posição de quem não tem alguma coisa. Esta seria uma das razões possíveis pra explicar uma certa clínica da revindicação, da desvalorização feminina etc. Vou citar uma passagem de Freud que separei mas poderia citar várias outras:“Observa-se com facilidade que as meninas compartilham plenamente a opinião que seus irmãos têm do pênis, elas desenvolvem um vivo interesse por essa parte do corpo masculino, interesse que é logo seguido pela inveja, as meninas julgam-se prejudicadas e quando uma delas declara que preferiria ser um menino já sabemos qual a deficiência que desejaria sanar, a deficiência de não ter o falo”.
 
Isso é um ponto. Ao mesmo tempo, sabemos que existe, em Freud, uma série de outras ideias em torno do feminíno como, por exemplo, associar as mulheres ao continente negro ou a conhecidíssima frase , já quase ao fim da vida, segundo a qual “ainda não conseguiu saber o que querem as mulheres”, motivo de uma certa ironia, de uma certa chacota. Isto dito, o que se vê é que, caso ficássemos absolutamente no campo da inveja do pênis, seria mais ou menos fácil responder à pergunta de Freud sobre o que quer uma mulher: ela quer um falo. Todo o campo da maternidade, por exemplo, é um pouco justificado por essa via.
 
O que vamos tentar situar um pouco hoje é o quê estamos chamando de feminino e que extravasaria um pouco a lógica fálica, também presente em Freud mas talvez não tão articulado assim. Freud tenta articular um pouco essas coisas, por exemplo, através da ideia segundo a qual as mulheres teriam um supereu menos desenvolvido justamente por não ter o temor da castração. Os homens, padecendo do complexo de castração, teriam, digamos assim, uma razão a mais pra se curvar às exigências do supereu o que não ocorreria no campo do feminino e que faria inclusive com que elas tivessem essa relação um pouco mais solta. Vemos, no entanto que isso não pode ser o final da discussão e que é preciso tentar ir além.
 
Considero que a grande virada se dá quando nos perguntamos: esse falo que as mulheres supostamente não tem, o que é? Essa é uma questão que Lacan situou e trabalhou durante anos a fio, ensinando seu auditório – e nós também – a sair de uma associação muito firme entre falo e pênis, que situa definitivamente a mulher no lugar de quem não tem alguma coisa.
 
Assim, a questão de Freud seria o pênis. Mas se o pênis é um sinal de potência, de gozo, o valor fálico de símbolos de poder etc., o pênis não é só isso. O pênis é também aquilo que não comparece como deveria, aquilo que depois do prazer, precisa de um tempo sem prazer. É aquilo que, na prática, para um homem, se apresenta, sim, como poder, mas também como aquilo que limita o prazer. Assim, a lógica fálica ou, o falo, passa a ser tomado por Lacan, não como órgão em si mas como o símbolo do que está associado ao prazer limitado, circunscrito.
 
Da falta ao excesso
 
O gozo fálico é então um certo modo de prazer, dito masculino, gozo fálico, que acontece e que depois de acontecer precisa parar. Trata-se, então, de uma regulação importante do campo pulsional. Já se vê que, associado a isso, vem a ideia de que o campo pulsional por si só não encontra, propriamente dito, uma ordenação, um limite e que isso pode ser transbordante a menos que alguma operação em torno disso venha dar contornos a coisa.
 
O falo passa a ser, portanto, o nome desse regulador de gozo. Nesse sentido a coisa se subverte: ao invés de dizermos “quem não tem o falo está em falta” – o que seria, supostamente, a teorização mais clássica –, chegamos em um “quem não tem o falo está em excesso”. Está em excesso por não ter tão à mão assim esse regulador de gozo, essa função que permite lidar com o transbordamento da pulsão de uma maneira mais ou menos controlada. É isso que permite, por exemplo, Lacan dizer: “à mulher nada falta” ou “nada falta à mulher”. Essa afirmação, feita por ele em 1963, no Seminário X, é, de certa forma bombástica, pois é, sim, uma certa retificação da lógica freudiana, ainda que não de toda lógica freudiana. É uma retificação de uma certa maneira de compreender, por exemplo, aquela passagem que eu trouxe, “as mulheres tem inveja de alguma coisa”. Lacan diz: “às mulheres nada falta”. O problema delas é, ao contrário, um certo excesso por, justamente, não ter grande intimidade com essa função fálica.

Assim como trouxe uma passagem de Freud, trago agora uma de Lacan para fazermos uma contraposição embora eu não queira ir muito longe nessa contraposição. É uma frase longa que não vou trabalhar a fundo, mas que permite pegar um pouco “o clima”:

A mulher revela-se superior no campo do gozo uma vez que seu vínculo com o nó do desejo é bem mais frouxo, a falta, o sinal menos com que é marcada a função fálica do homem e que faz com que sua ligação com o objeto tenha que passar pela negativização do falo e pelo complexo de castração é isso que não constitui para a mulher um nó necessário.

Vocês veem a completa subversão da ideia anterior. O próximo passo, já entrando um pouco no assunto que o Guilherme Gutman trouxe, seria esse: a questão de “quem tem o falo” e “quem não tem o falo” precisaria ser relativizada. Esse “quem” não pode ser absoluto. Não podemos separar o mundo entre “pessoas que tem” e “pessoas que não tem”.

A ideia é, num certo sentido e como está escrito no argumento que tem no nosso folder, que, para psicanálise, a questão do feminino não é uma questão de gênero, isto é, não é uma questão de dividir a sociedade humana entre dois sexos: homens e mulheres. A ideia é: tem alguma coisa que a gente está chamando de feminino e que um homem certamente experimenta ou pode experimentar. Inversamente, também não há mulher alguma que não recorra também ao falo para situar seu gozo. As mulheres talvez estejam, sim, um pouco mais próximas desse transbordar do gozo, tenham que se haver um pouco mais com esse gozo transbordante não fálico. Isso não quer dizer que não haja recurso ao falo, mesmo que ela tenha que buscar o falo do Outro, mesmo que seja através do desejo do Outro.
 
Tomemos, por exemplo, o campo da teorização da histeria. Trata-se de um campo muito centrado em torno do falo, ou seja, histeria não é sinônimo de feminino e sim uma das maneiras possíveis desse feminino se organizar e, frequentemente, isso passa pelo valor fálico da mulher no desejo do Outro.
 
A psicanálise nos tempos atuais: os excessos….

Separamos então nossa questão da questão do gênero, o que nos permite entrar na questão do excesso. O subtítulo da nossa Jornada, ‘excesso’, não é, propriamente, um conceito. Não tem uma definição precisa, não é um conceito freudiano, nem lacaniano. Se estamos associando isso ao feminino é porque esse gozo transbordante característico das mulheres teria uma certa relação com ele. Além, disso, há uma hipótese segundo a qual isso também apareceria como uma das características importantes do nosso tempo.
 
Localizaríamos isso, por exemplo, nos sintomas marcados por um transbordamento de gozo e por uma satisfação incessante, excessiva, como nas toxicomanias, nas compulsões alimentares, nas compulsões por compras, nas compulsões amorosas e por aí vai. Um dos grandes temas que estamos propondo nessas Jornadas é justamente tentarmos nos perguntar sobre o quê a psicanálise faz com esse excesso tão característico dos tempos atuais. De fato, há toda uma lógica da psicanálise centrada na ideia de que o sujeito goza de menos em função de uma proibição do pai, de uma proibição da civilização e de que é em torno dessa proibição que os sintomas se formam – pretendo voltar a falar sobre o sintoma propriamente dito mais pra frente. Isto posto, o que vemos hoje é um cenário muito diferente: a psicanálise precisa lidar com uma sociedade onde o gozo, a princípio proibido, se torna obrigatório. Estou fazendo divisões estanques que não são absolutas mas que desenham alguma coisa, a saber, que isso coloca uma série de novos problemas e novas questões pra psicanálise. A questão então seria: diante desse excesso, diante desse excesso pulsional tão marcado na nossa época, o que faz a psicanálise? Ela funciona como um falo artificial? Ela vai buscar a boa medida, a temperança, o bom senso? A resposta é ,evidentemente, que não. Ao mesmo tempo, é preciso que alguma outra coisa ela faça que não seja ir na uma contramão do que era o pai, do mito paterno, da ideia de que alguém em algum lugar proíbe que o sujeito faça o que queira. Esse é um ponto importantíssimo nas questões de transformações sexuais e dos múltiplos gozos que os sujeitos desejam ter hoje. Quando se vive numa época em que se pode supor que alguém proíbe alguma coisa, é mais fácil ter a fantasia de que se ninguém proibisse, tudo seria melhor, todos teriam direito plenamente ao seu próprio gozo, a ideia de uma sociedade libertária etc.

O que vivemos hoje é justamente a falência dessa ideia ou dessa fantasia pois, a partir do momento em que tudo é permitido, em que tudo é possível, vemos que por trás da proibição paterna , o que há de fato é uma impossibilidade inerente à satisfação, é o fato de que esta nunca é idêntica ao sujeito que diz a ter. Quando lidamos com a satisfação, passa-se muito rápido da falta para o excesso. Na medida em que se pode tudo, o transbordamento, a pulsão de morte etc. se tornam a tônica das compulsões, cadeia infinita de objetos na qual nenhum deles é exatamente isso que se busca.

Busquemos agora situar o segundo termo do subtítulo: “a sutileza”.

…e as sutilezas

O que seria isso que estamos chamando de sutileza. Como eu disse, não é a boa medida, nem é temperança. Não é o sutil no sentido de ser adequado, de ser correto, de saber se comportar, etc. É de um outro tipo de sutileza que estamos falando, dum tipo, sem dúvida, muito mais difícil de definir. Esse talvez seja o grande tema das Jornadas: há duas plenárias que serão inclusive em torno disso.

A primeira se chama: Como se escreve o feminino?. A ideia é que esse gozo escapa à possibilidade de ser nomeado e transborda o simbólico. Trata-se de algo do qual não se consegue falar e que puxa então a pergunta: como se escreve? É verdade que essa pergunta já coloca uma afirmação, uma tomada de posição: isso se escreve. Mas como isso se escrever, não é nada óbvio. Teremos então, durante as jornadas, um tempo especial dedicado a isso. Buscaremos abordar a questão tanto no campo da literatura como no campo do fim de análise, nos relatos ditos de Passe.

O passe, talvez vocês saibam, é uma maneira da Escola pensar o final de análise, a passagem a analista e como isso se materializa. Essa materialização do excesso é que a gente está chamando de sutileza. Embora eu saiba que eu estou falando de alguma coisa ainda vaga, podemos adiantar que se trata de uma sutileza que guarda íntimas relações com o excesso. Não e a pulsão de morte em sua plenitude, mas também não é seu oposto.
 
Trata-se de alguma coisa difícil de situar. Assim, justamente, a segunda plenária se chama: “O analista e a mulher”, pois parte de uma certa hipótese segundo a qual essa sutileza, que, por sua vez, está ligada ao uso feminino, também tem muito a ver com a posição do analista, com aquilo que faz o psicanalista. Há uma passagem de Lacan que está sendo muito citada e usada na Escola em função do fato do tema do feminino estar muito em voga e que é a seguinte: “As mulheres são as melhores analistas quando não são as piores”. Isso dá bem a ideia do quanto que a sutileza fundamental para uma analista pode também estar próxima do excesso transbordante. É algo que precisa estar lá mas que também tem íntimas relações com aquilo que é devastador, com aquilo que é despersonalizante, com aquilo que é caótico etc. A grande questão das Jornadas seria talvez: como passar do excesso para sutileza sem recorrer ao falo? É uma questão muito ampla que, na verdade, coloca em xeque o que é a própria psicanálise e, mais especialmente, o que é a psicanálise hoje. Como passar do caos à singularidade sem recorrer a boa medida, a temperança, a esquemas mais ou menos prontos, ao analista como aquele que sabe, que tem a sua experiência, que vai ajudar o analisando a dar uns bons contornos pra isso. Isso tudo está presente na clínica, faz parte dela mas não é o fundamental da coisa. Coloca-se então a questão do que acontece nesse lugar.
 
O sintoma ontem e hoje

Pra tentar rapidamente chegar na questão do sintoma, pra tentar situar em torno do sintoma, isso que imagino ser o problema, me perguntei, ao ver que, justamente, essa mesa preparatória se daria em torno da questão do sintoma, a respeito da possibilidade de como articular o excesso ao sintoma e me dei conta – é pelo menos assim que eu queria tentar ler com vocês ou colocar isso em debate – que, a princípio, a invenção freudiana da psicanálise se deu em torno da ideia de que o sintoma é decorrencia de um excesso que aconteceu em algum lugar. A teoria do trauma segundo Freud é: esse sintoma existe porque em algum lugar houve um excesso de gozo. Mesmo Freud tendo, em 1898, abandonado a teoria da sedução, quando diz não acreditar mais na sua histérica etc., preserva-se, ainda assim, a ideia de que o excesso não se deu de fato, a idéia de que, na realidade, não houve, de fato, sedução. Isto posto, o excesso teria sido “desejado”, teria se manifestado psiquicamente como desejo, como intenção. Alguma coisa teria então proibido essa satisfação e o sintoma surgiria como satisfação substitutiva. Mas essa satisfação implicaria um sofrimento. Isso da conta do quanto o sintoma está ligado, não apenas a uma disfunção, mas também a essa satisfação, ou seja, o excesso é situado inicialmente como uma suposição, supõe-se que alguém em algum lugar gozou demais, que alguém em algum lugar gozou cedo demais e que isso deu problema. Em uma análise aposta-se na palavra como uma maneira de chegar a isso. Nesse caminho, encontram-se as sutilezas.
 
Mas o que seriam estas sutilezas? Seriam as maneiras diversas de abordar isso que teria sido um excesso, seria abordar as pequenas parcelas de gozo de um sujeito, as singulares maneiras através das quais alguém goza, alguém foi gozado etc. Ainda que isso nunca seja encontrado de maneira absoluta, uma análise vai levando um sujeito a encontrar isso de diversas maneiras, a nomear isso de diversas maneiras mesmo que não muito claras. A própria presença do analista está ali para materializar o fato de que isso, o gozo, nunca é completamente nomeável. Sua presença sustenta um pouco esse relançamento da questão sobre o gozo e sobre essa outra presença que cabe mas não cabe nas palavras.
 
Ao longo de uma análise, com meia dúzia de sutilezas, é possível desenhar um excesso. Com meia dúzia de sutilezas materializadas, tem-se uma ideia de qual é a maneira excessiva de um sujeito obter satisfação e que é difícil de ver, que é difícil de encarar sendo, por isso mesmo, encarado através de sutilezas. Não estou querendo dizer com isso que o excesso não se apresente, até porque a sutileza em questão é excessiva, mas acho que dá para organizar um pouco assim. Este seria sintoma dito clássico e a forma como seria tomado numa análise, o que não é mais o caso, ou pelo menos não é o caso sempre, ou pelo menos não é o caso dos sintomas que estamos pesquisando e que estão, também, se apresentando, hoje, na clínica.

Nestes últimos, o excesso é o sintoma. O excesso é justamente a impossibilidade de dar um contorno à satisfação, de dar um contorno à devastação que se apresenta de maneira nua e crua. Isso muitas vezes complica bastante o que seria, a princípio, o início de uma análise. Aqui, não teríamos mais o excesso como uma suposição. Já não seria possível fazer dele a causa de uma busca de sentido. Mesmo quando se diz que Freud buscava o sentido do sintoma, o que de fato buscava era o sentido do excesso, era o sentido muito ligado ao excesso e não um sentido qualquer. Se ele dissesse a uma histérica cuja perna se encontrasse paralisada: “a sua paralisia se deu porque um carro buzinou na rua”, estaria dando um sentido qualquer, não haveria uma certa articulação desse sentido com a satisfação excessiva. Isso se perde ou pelo menos isso se torna muito menos utilizado quando os sintomas são sintomas transbordantes de gozo. Vemos, por exemplo, na clínica das toxicomanias, uma aderência muito grande ao uso de substancias. É muito difícil fazer disso um desejo de saber. É muito difícil dizer ao um toxicômano: “vamos encontrar a razão disso”, “vamos encontrar o porquê disso”, “fale mais sobre isso” etc. Sabemos que a clínica analítica fracassa ao se posicionar desse modo.

Muitas vezes, não parece ser mais possível adiar o excesso ou a sutileza. Este é um dos grandes temas de pesquisa das Jornadas. Teremos uma mesa redonda inteira em torno da clínica dos excessos, pessoas que trabalham com isso, trazendo as suas hipóteses, debatendo entre si, se perguntando como faz a psicanálise hoje com isso, etc. Mas para não deixar apenas para as Jornadas e para finalizar, acho que o que se subverte na teoria do início de análise ou na clínica do início de análise é: às vezes é preciso encontrar já uma sutileza; é preciso produzir uma sutileza pra que a própria questão sobre o gozo se coloque. Não é possível mais que o analista faça um convite à associação livre como convite vago, como convite de que fale, apostando, junto ao paciente, que em algum lugar e em algum momento algo será encontrado. Isso muitas vezes não encontra eco, não fisga o sujeito, não fisga o gozo. Acho então que se existe alguma coisa de urgente. O que se chama de emergência nessa clínica mais grave talvez não seja o fato de que o sujeito vai morrer, de que é urgente porque a situação é grave. Entendo a urgência aí como: há uma certa urgência em materializar esse gozo excessivo através de uma sutileza e a partir daí, talvez, uma pergunta possa ser colocada sobre isso.
 
Para saber mais sobre as XXI Jornadas Clínicas da EBP-Rio e do ICP-RJ, clique aqui.
*Rodrigo Lyra é psicanalista, correspondente da EBP-Rio e coordenador das XXI Jornadas Clínicas da EBP-Rio e do ICP-RJ

sábado, 6 de outubro de 2012

DORES DURANTE A RELAÇÃO SEXUAL

Colaboração com o caderno NA MIRA coluna "QUEBRANDO TABU" do jornal O ESTADO DO MARANHÃO no dia 05.10.2012
 
 
Nossa coluna “Quebrando Tabu” tem recebido e-mails com dúvidas enviados por leitores e leitoras. Hoje escolhemos um deles para responder. Continuem enviando suas dúvidas, pois nosso objetivo é ajudar a melhorar a qualidade de vida.
 
“tenho 19 anos e tenho muitas dores durante as relações sexuais com meu namorado, inclusive em muitas vezes impossibilitando o ato. Desejo saber o que fazer, pois tenho medo de perder meu namorado para outras mulheres”.
 
RESPOSTA:
 
Prezada leitora quero agradecer por ter enviado seu e-mail para a coluna “Quebrando Tabu” expondo seu problema, pois através dele outras mulheres que sofrem com situação semelhante poderão ser orientadas para buscar solução para este problema. Você se refere sobre um tipo de disfunção sexual cada vez mais comum entre as mulheres, na realidade são duas situações conhecidas com Dispareunia e Vaginismo.
 
Ambas são consideras como disfunção sexual, pois impedem ou dificultam as relações sexuais. Uma é de origem psicogênica e outra de origem fisiológica. Para saber em qual é a origem das dores é necessário que um(a) médico(a) ginecologista seja consultado(a) para diagnosticar.
 
Vamos primeiro compreender o que é cada uma das classificações. Lembrando que as disfunções sexuais se referem aos estágios da resposta sexual humana que são DESEJO, EXCITAÇÃO e ORGASMO.
 
Vaginismo é a sensação de dor provocada pelo medo da penetração. Ele é uma reposta da musculatura vaginal que dificulta parcial ou totalmente a penetração do pênis na vagina, e muitas vezes do próprio exame ginecológico.
 
Quando ocorre a relação sexual, a mulher excitada relaxa os músculos da região genital para facilitar a penetração e se adaptar a grossura do pênis. Por motivos emocionais, isto é, de traumas psicológicos, o corpo da mulher responde de forma oposta, isto é, contraindo de forma involuntária a musculatura, e com isto dificultando ou mesmo impedindo a penetração. Como informação importante sobre a fase da excitação, deve-se considerar que o homem para ter uma vasocongestão pélvica, isto é, estar pronto para a relação sexual, é necessário de 40 a 60 mililitros de sangue, enquanto na mulher esta quantidade é de 500 a 700 mililitros,
 
O vaginismo não impede a mulher sentir desejo, excitação e orgasmo se não for penetrada. A origem do problema pode estar ligada tanto a um trauma como a educação sexual inadequada dada quando criança e provocada por influências culturais e emocionais dos educadores. Após a consulta médica para diagnóstico é necessário a procura de um(a) psicanalista ou psicólogo(a) especializados na área da sexualidade.
 
Dispareunia é o nome da disfunção sexual que provoca dor durante a relação sexual e que tem origem orgânica, como infecções, ressecamento vaginal provocado pela falta de lubrificação, irritações vaginais ou das vias urinarias.
 

domingo, 23 de setembro de 2012

ENTREVISTA DE JACQUES-ALAIN MILLER SOBRE O AMOR

Psychologies Magazine, outubro 2008, n° 278
Entrevista realizada por Hanna Waar

Psychologies: A psicanálise ensina alguma coisa sobre o amor?

Jacques-Alain Miller: Muito, pois é uma experiência cuja fonte é o amor. Trata-se desse amor automático, e freqüentemente inconsciente, que o analisando dirige ao analista e que se chama transferência. É um amor fictício, mas é do mesmo estofo que o amor verdadeiro. Ele atualiza sua mecânica: o amor se dirige àquele que a senhora pensa que conhece sua verdade verdadeira. Porém, o amor permite imaginar que essa verdade será amável, agradável, enquanto ela é, de fato, difícil de suportar.

P.: Então, o que é amar verdadeiramente?

J-A Miller: Amar verdadeiramente alguém é acreditar que, ao amá-lo, se alcançará a uma verdade sobre si. Ama-se aquele ou aquela que conserva a resposta, ou uma resposta, à nossa questão "Quem sou eu?".

P.: Por que alguns sabem amar e outros não?

J-A Miller: Alguns sabem provocar o amor no outro, os serial lovers - se posso dizer - homens e mulheres. Eles sabem quais botões apertar para se fazer amar. Porém, não necessariamente amam, mais brincam de gato e rato com suas presas. Para amar, é necessário confessar sua falta e reconhecer que se tem necessidade do outro, que ele lhe falta. Os que crêem ser completos sozinhos, ou querem ser, não sabem amar. E, às vezes, o constatam dolorosamente. Manipulam, mexem os pauzinhos, mas do amor não conhecem nem o risco, nem as delícias.

P.: "Ser completo sozinho”: só um homem pode acreditar nisso...

J-A Miller: Acertou! "Amar, dizia Lacan, é dar o que não se tem". O que quer dizer: amar é reconhecer sua falta e doá-la ao outro, colocá-la no outro. Não é dar o que se possui, os bens, os presentes: é dar algo que não se possui, que vai além de si mesmo. Para isso, é preciso se assegurar de sua falta, de sua "castração", como dizia Freud. E isso é essencialmente feminino. Só se ama verdadeiramente a partir de uma posição feminina. Amar feminiza. É por isso que o amor é sempre um pouco cômico em um homem. Porém, se ele se deixa intimidar pelo ridículo, é que, na realidade, não está seguro de sua virilidade.

P.: Amar seria mais difícil para os homens?

J-A Miller: Ah, sim! Mesmo um homem enamorado tem retornos de orgulho, assaltos de agressividade contra o objeto de seu amor, porque esse amor o coloca na posição de incompletude, de dependência. É por isso que pode desejar as mulheres que não ama, a fim de reencontrar a posição viril que coloca em suspensão quando ama. Esse princípio Freud denominou a "degradação da vida amorosa" no homem: a cisão do amor e do desejo sexual.

P.: E nas mulheres?

J-A Miller: É menos habitual. No caso mais freqüente há desdobramento do parceiro masculino. De um lado, está o amante que as faz gozar e que elas desejam, porém, há também o homem do amor, feminizado, funcionalmente castrado. Entretanto, não é a anatomia que comanda: existem as mulheres que adotam uma posição masculina. E cada vez mais. Um homem para o amor, em casa; e homens para o gozo, encontrados na Internet, na rua, no trem...

P.: Por que "cada vez mais"?

J-A Miller: Os estereótipos socioculturais da feminilidade e da virilidade estão em plena mutação. Os homens são convidados a acolher suas emoções, a amar, a se feminizar; as mulheres, elas, conhecem ao contrário um certo “empuxo-ao-homem”: em nome da igualdade jurídica são conduzidas a repetir “eu também”. Ao mesmo tempo, os homossexuais reivindicam os direitos e os símbolos dos héteros, como casamento e filiação. Donde uma grande instabilidade dos papéis, uma fluidez generalizada do teatro do amor, que contrasta com a fixidez de antigamente. O amor se torna “líquido”, constata o sociólogo Zygmunt Bauman (1). Cada um é levado a inventar seu próprio “estilo de vida” e a assumir seu modo de gozar e de amar. Os cenários tradicionais caem em lento desuso. A pressão social para neles se conformar não desapareceu, mas está em baixa.

P.: “O amor é sempre recíproco”, dizia Lacan. Isso ainda é verdade no contexto atual? O que significa?

J-A Miller: Repete-se esta frase sem compreendê-la ou compreendendo-a mal. Ela não quer dizer que é suficiente amar alguém para que ele vos ame. Isso seria absurdo. Quer dizer: “Se eu te amo é que tu és amável. Sou eu que amo, mas tu, tu também estás envolvido, porque há em ti alguma coisa que me faz te amar. É recíproco porque existe um vai-e-vem: o amor que tenho por ti é efeito do retorno da causa do amor que tu és para mim. Portanto, tu não estás aí à toa. Meu amor por ti não é só assunto meu, mas teu também. Meu amor diz alguma coisa de ti que talvez tu mesmo não conheças”. Isso não assegura, de forma alguma, que ao amor de um responderá o amor do outro: isso, quando isso se produz, é sempre da ordem do milagre, não é calculável por antecipação.

P.: Não se encontra seu ‘cada um’, sua ‘cada uma’ por acaso. Por que ele? Por que ela?

J-A Miller: Existe o que Freud chamou de Liebesbedingung, a condição do amor, a causa do desejo. É um traço particular – ou um conjunto de traços – que tem para cada um função determinante na escolha amorosa. Isto escapa totalmente às neurociências, porque é próprio de cada um, tem a ver com sua história singular e íntima. Traços às vezes ínfimos estão em jogo. Freud, por exemplo, assinalou como causa do desejo em um de seus pacientes um brilho de luz no nariz de uma mulher!

P.: É difícil acreditar em um amor fundado nesses elementos sem valor, nessas baboseiras!

J-A Miller: A realidade do inconsciente ultrapassa a ficção. A senhora não tem idéia de tudo o que está fundado, na vida humana, e especialmente no amor, em bagatelas, em cabeças de alfinete, os “divinos detalhes”. É verdade que, sobretudo no macho, se encontram tais causas do desejo, que são como fetiches cuja presença é indispensável para desencadear o processo amoroso. As particularidades miúdas, que relembram o pai, a mãe, o irmão, a irmã, tal personagem da infância, também têm seu papel na escolha amorosa das mulheres. Porém, a forma feminina do amor é, de preferência, mais erotômana que fetichista : elas querem ser amadas, e o interesse, o amor que alguém lhes manifesta, ou que elas supõem no outro, é sempre uma condição sine qua non para desencadear seu amor, ou, pelo menos, seu consentimento. O fenômeno é a base da corte masculina.

P.: O senhor atribui algum papel às fantasias?

J-A Miller: Nas mulheres, quer sejam conscientes ou inconscientes, são mais determinantes para a posição de gozo do que para a escolha amorosa. E é o inverso para os homens. Por exemplo, acontece de uma mulher só conseguir obter o gozo – o orgasmo, digamos – com a condição de se imaginar, durante o próprio ato, sendo batida, violada, ou de ser uma outra mulher, ou ainda de estar ausente, em outro lugar.

P.: E a fantasia masculina?

J-A Miller: Está bem evidente no amor à primeira vista. O exemplo clássico, comentado por Lacan, é, no romance de Goethe (2), a súbita paixão do jovem Werther por Charlotte, no momento em que a vê pela primeira vez, alimentando ao numeroso grupo de crianças que a rodeiam. Há aqui a qualidade maternal da mulher que desencadeia o amor. Outro exemplo, retirado de minha prática, é este: um patrão qüinquagenário recebe candidatas a um posto de secretária. Uma jovem mulher de 20 anos se apresenta; ele lhe declara de imediato seu fogo. Pergunta-se o que o tomou, entra em análise. Lá, descobre o desencadeante: ele havia nela reencontrado os traços que evocavam o que ele próprio era quando tinha 20 anos, quando se apresentou ao seu primeiro emprego. Ele estava, de alguma forma, caído de amores por ele mesmo. Reencontra-se nesses dois exemplos, as duas vertentes distinguidas por Freud: ama-se ou a pessoa que protege, aqui a mãe, ou a uma imagem narcísica de si mesmo.

P.: Tem-se a impressão de que somos marionetes!

J-A Miller: Não, entre tal homem e tal mulher, nada está escrito por antecipação, não há bússola, nem proporção pré-estabelecida. Seu encontro não é programado como o do espermatozóide e do óvulo; nada a ver também com os genes. Os homens e as mulheres falam, vivem num mundo de discurso, e isso é determinante. As modalidades do amor são ultra-sensíveis à cultura ambiente. Cada civilização se distingue pela maneira como estrutura a relação entre os sexos. Ora, acontece que no Ocidente, em nossas sociedades ao mesmo tempo liberais, mercadológicas e jurídicas, o “múltiplo” está passando a destronar o “um”. O modelo ideal do “grande amor de toda a vida” cede, pouco a pouco, terreno para o speed dating, o speed loving e toda floração de cenários amorosos alternativos, sucessivos, inclusive simultâneos.

P.: E o amor no tempo, em sua duração? Na eternidade?

J-A Miller: Dizia Balzac: “Toda paixão que não se acredita eterna é repugnante” (3). Entretanto, pode o laço se manter por toda a vida no registro da paixão? Quanto mais um homem se consagra a uma só mulher, mais ela tende a ter para ele uma significação maternal: quanto mais sublime e intocada, mais amada. São os homossexuais casados que melhor desenvolvem esse culto à mulher: Aragão canta seu amor por Elsa; assim que ela morre, bom dia rapazes! E quando uma mulher se agarra a um só homem, ela o castra. Portanto, o caminho é estreito. O melhor caminho do amor conjugal é a amizade, dizia, de fato, Aristóteles.

P.: O problema é que os homens dizem não compreender o que querem as mulheres; e as mulheres, o que os homens esperam delas...

J-A Miller: Sim. O que faz objeção à solução aristotélica é que o diálogo de um sexo ao outro é impossível, suspirava Lacan. Os amantes estão, de fato, condenados a aprender indefinidamente a língua do outro, tateando, buscando as chaves, sempre revogáveis. O amor é um labirinto de mal entendidos onde a saída não existe.

________________________________________________________________________________________

(1) Zygmunt Bauman, L’amour liquide, de la fragilité des liens entre les hommes (Hachette Littératures, « Pluriel », 2008)

(2) Les souffrances du jeune Werther de Goethe (LGF, « le livre de poche », 2008).

(3) Honoré de Balzac in La comédie humaine, vol. VI, « Études de mœurs : scènes de la vie parisienne » (Gallimard, 1978).

Tradução de Maria do Carmo Dias Batista.