sexta-feira, 26 de outubro de 2012

QUAL A IDADE IDEAL PARA COMEÇAR A VIDA SEXUAL?

Colaboração com o caderno NA MIRA coluna "QUEBRANDO TABU" do jornal O ESTADO DO MARANHÃO no dia 26.10.2012
 
No início do mês fui convidado para responder perguntas dos alunos da oitava série do colégio COC. Entre as perguntas que foram feitas escolhi algumas para responder também através da nossa coluna “Quebrando Tabu”, pois foram questões pertinentes e inteligentes e que demonstram que mesmo tendo acesso a várias fontes de consultas, dúvidas permanecem.
 
“Qual a idade ideal para começar a vida sexual?” Esta é uma pergunta muito presente todas as vezes que faço palestras, feita muitas vezes pelos próprios jovens e outras tantas por pais que querem uma orientação sobre como se comportar em relação ao assunto com seus filhos e filhas.
 
Minha resposta tem sido sempre a mesma, e a baseio nas informações sobre a fisiologia humana e na teoria psicanalítica. A primeira nos diz que  o ser humano está apto para exercer uma vida sexual com a idade em que seus caracteres sexuais secundários se manifestarem. Sabemos que nosso corpo tem um processo de crescimento que nos leva a maturidade sexual, isto é, quando estamos aptos para procriar.
 
A puberdade inicia por volta dos 10 anos de idade quando mudanças morfológicas ocorrem devido à atuação dos hormônios testosterona, progesterona e estrógeno, produzidos nos testículos pelos meninos e nos ovários pelas meninas. Estes hormônios são responsáveis, entre outras coisas, pelo surgimento da menstruação, desenvolvimento dos seios e dos pelos no corpo e na região genital das mulheres; já nos homens faz surgir os pelos no rosto, no corpo e na região genital, além do engrossamento da voz e a produção dos espermatozoides.
 
Por volta dos 13 ou 14 anos já temos a maturidade fisiológica da sexualidade. Rapazes e moças estão aptos para terem filhos e sentirem orgasmo. Esta maturidade fisiológica está acontecendo cada vez mais cedo, acredita-se motivada pelo estilo de vida e pela alimentação.
 
E a maturidade emocional, quando acontece? O processo do desenvolvimento emocional é bem mais complexo e longo, e em muitos casos, nem chega ser alcançada completamente, podendo ser encontrados indivíduos que mesmo em idade adulta, ainda são imaturos afetivamente (emocional).
 
Freud nos mostrou que os indivíduos passam por diferentes fases no seu desenvolvimento emocional. Começamos com a primeira chamada de narcisismo, na qual somos nosso próprio objeto de amor. Somos incapazes de amar outro individuo. Esta fase vai até por volta dos 3, 4 anos de idade. A segunda fase chamada de edípica, e na qual elegemos pela primeira vez outro indivíduo como alvo do nosso amor, geralmente nosso genitor de sexo oposto.
 
A terceira fase é chamada de latência, onde nosso amor está no nível de baixa atividade. Esta fase termina quando do surgimento da maturidade fisiológica sexual. Na fase seguinte dirigimos nosso amor pela primeira vez para alguém fora do nosso círculo familiar, é a famosa paixão da adolescência. Nesta fase começamos o desligamento da dependência emocional da família e nos preparamos para a maturidade emocional, alcançada teoricamente na década dos 20 anos.
 
É possível observar que o desenvolvimento emocional (afetivo) é mais longo que o fisiológico sexual. Quando a pessoa começa a exercitar sua sexualidade ainda com pouca maturidade emocional (afetiva), mais propensa está de sofrer com  inadequações, disfunções e até transtornos sexuais.
 
Portanto a resposta para a pergunta é que cada um tem seu processo de maturidade emocional, e que esta maturidade precisa ser observada para que a vida sexual do indivíduo caminhe sem sustos.
 
Ernesto Friederichs Mandelli, Psicanalista com especializações em Sexualidade e Educação Sexual. E-mail:mandelli@elo.com.br - twitter: http://twitter.com/efmandelli
 
 

domingo, 21 de outubro de 2012

QUALIDADE EM SERVIÇOS OU SERVIÇOS QUALIFICADOS?


Como sujeito pensante e crítico dos tempos em que vivo, já há algum tempo, ao preparar as aulas de Administração de Serviços para as turmas que ministro em duas Instituições de Ensino Superior (UNDB e FABEA/FGV) me deparo com inquietações sobre as noções de Qualidade em Serviços.

Tenho lido e discutido sobre a influência dos discursos Capitalista e da Ciência no dia-a-dia das pessoas, nos seus hábitos de consumo, nas profissões e no ensino da Administração. Em primeiro quero dizer que “discurso”, na linguagem psicanalítica, é uma forma de laço social, isto é, uma maneira de relacionamento entre as pessoas e que são tecidos e estruturados pela linguagem. Esta ideia nos é apresentada por Jacques Lacan, famoso psicanalista francês que em seu Seminário 17 partiu da relação dialética introduzida pelo filósofo Hegel em “A Fenomenologia do Espírito” entre o Senhor e o Escravo.

No processo de um discurso temos de um lado o Senhor ou Mestre, isto é, aquele que domina a relação já o Escravo, é aquele que se submete e que produz um saber que será utilizado em benefício do mestre para atender seus desejos e necessidades. Nesta “dialética” temos três posições, o Senhor, o Escravo e o produto do trabalho (ou saber) deste.

É possível ver que o Senhor é o mercado e o Escravo que possui um “saber fazer” está representado pelo prestador do Serviço. Ocorre que este Senhor (mercado) sempre irá querer mais, pois está em continua insatisfação, e o produto do trabalho não gerará satisfação suficiente, pois o mercado sempre irá querer mais e/ou outro produto/serviço. Fica a questão de e como atender as expectativas geradas pelos desejos e necessidades sempre insatisfeitas?

No discurso da Ciência há uma procura da “comprovação científica” dos fatos e das respostas aos questionamentos feitos. Algo só terá validade se a Ciência der seu aval, isto é, se o experimento em laboratório produzir resultados semelhantes ao do dia-a-dia. A “verdade” procura se tornar dogmática, isto é, receber um carimbo de “provado cientificamente”.

Porém nem tudo pode ser enquadrado em normas e parâmetros. O indivíduo é um objeto que não cabe em normas e regras, isto é, será sempre uma singularidade. As relações humanas são outro exemplo desta posição, muitas vezes funcionam para o “público externo” diferentemente do que entre “quatro paredes”.

No discurso do Capital, uma quinta forma de laço social na qual não existe uma relação entre o mestre e o escravo, isto é, na realidade não existe laço social.

Como estudo da Administração se enquadra nestes processos complexos? Encontramos de um lado o desejo de dar estatuto de ciência à Administração, e do outro, as singularidades das necessidades e desejos humanos criando as expectativas dos sujeitos. Lembrando que necessidade é aquilo do qual não é possível prescindir (alimento) e desejo é uma necessidade que foi satisfeita com um plus de prazer (determinado alimento).

Fitzsimnons e Fitzsimmons (gurus dos demais teóricos dos serviços) definem Qualidade em Serviços comparando as expectativas do cliente e sua percepção sobre o serviço recebido. Se a expectativa for satisfeita a qualidade é percebida como satisfatória. Caso contrário tem-se a qualidade insatisfatória. Como é possível observar, a Qualidade em Serviços está atrelada as expectativas e a satisfação do cliente.

Os conceitos de Qualidade passaram por algumas fases, a primeira era que algo tinha qualidade quando as especificações do produto/serviço eram atendidas; a segunda enfocando a adequação ao uso; a terceira um conceito emocional, de surpreender o cliente e a quarta fase o atendimento das reais necessidades do cliente. Acredito que hoje é possível falar em uma quinta fase, a de atender as expectativas do cliente.

Os livros que uso para fundamentar as aulas, quando falam em qualidade usam sempre termos como “padrão”, “norma”, “manter a qualidade”, etc., mas ao mesmo tempo, encontram-se palavras como “customização”, “atender as expectativas do cliente”, ”intangibilidade”, “hora da verdade”, etc., mas como conciliar conceitos antagônicos?

Minha questão é: se as expectativas do cliente são únicas e singulares, como então padronizar os serviços dando-lhes qualidade?  Os serviços são produzidos enquanto consumidos, o cliente é coautor do serviço, o insumo do serviço é o cliente e um dos elementos do processo é um trabalhador. Isto significa que temos duas pessoas que interagem nesta troca e ambas possuem singularidades e diferenças próprias. Como escapar das “armadilhas” dos discursos da Ciência e do discurso da Capital?

A resposta eu acredito te achado ao ler uma entrevista do psicanalista Jorge Forbes citando o filósofo italiano Giorgio Agamben. A solução é trocar o termo “qualidade em serviços” por “serviços qualificados”, pois no primeiro caso o esforço se concentra na “qualidade” e no segundo se concentra em “serviços”. O que significa prestar um serviço com responsabilidade.

O caminho para isto está no processo de diferenciação dos serviços, como tornar a experiência do serviço uma memória viva; personalizar, mais do que customizar; reduzir a possibilidade de decepção, ou mesmo frustração pelo cliente quando da percepção do serviço recebido; controle constante sobre os valores ofertados e finalmente, sempre treinar a equipe de prestadores do serviço em simpatia e empatia.

Michael Porter diz: “A vantagem competitiva surge fundamentalmente do VALOR que uma empresa tem condições de criar para os seus clientes.” É preciso lembrar que VALOR é a capacidade que um bem ou serviço possui de atender as necessidades ou desejos do cliente. Espero que esta reflexão abra canais de discussões sobre o assunto.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

MULHERES DE HOJE - EXCESSOS E SUTILEZAS DO SINTOMA NA PSICANÁLISE

Texto publicado no site http://blogdasubversos.wordpress.com/2012/10/17/mulheres-de-hoje-excessos-e-sutiliezas-do-sintoma-na-psicanalise/

O texto a seguir é a transcrição de uma fala não revisada mas gentilmente cedida pelo autor, realizada durante a mesa preparatória das XXI Jornadas Clínicas da Escola Brasileira de Psicanálise – Seção Rio (EBP-Rio) e do Instituto de Clínica Psicanalítica do Rio de Janeiro (ICP-RJ) chamada Mulheres de hoje – excessos e sutiliezas do sintoma na psicanálise que ocorreu dia 5 de outubro no RDC da PUC-Rio.

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Pablo Picasso – Les Demoiselles d’Avignon, 1907
Por Rodrigo Lyra*
 
Boa tarde. Gostaria de começar agradecendo ao coordenador da mesa, Guilherme Gutman, e ao Departamento de Piscologia da PUC-Rio pelo convite. Na verdade, agradeço não somente o convite, mas por terem aceitado o pedido feito por nós da coordenação das XXI Jornadas Clínicas da Escola Brasileira de Psicanálise – Seção Rio (EBP-Rio) e do Instituto de Clínica Psicanalítica do Rio de Janeiro (ICP-RJ) que consistiu em organizar uma mesa preparatória para esse evento aqui na PUC. Assim, além de agradecer o convite feito pelo Departamento e, mais especialmente, aos colegas de pesquisa do Prof. Marcus André Vieira, aproveito para também convidá-los a participarem das XXI Jornadas Clínicas da EBP e do ICP. Para que isso não fique muito abstrato, queria apresentar a vocês o tema da Jornada e compartilhar um pouco do que pensamos, um pouco do que a comissão organizadora pensou quando escolheu esse tema e, mais especialmente, esse subtítulo, isto é, o que justifica uma Jornada chamada Horizontes do Feminino – excessos e sutilezas. Vamos tentar, se for possível, falar dos ditos ‘excessos e sutilezas’ e quem sabe tentar chegar na questão do sintoma que seria, mais propriamente dito, o tema de hoje.
 
Freud e o feminino
 
Eu pensei retomar a questão lá de trás pois, a princípio, segundo a teorização freudiana mais clássica, falar em excesso com relação ao feminino não é nada evidente. A princípio, poderíamos dizer que existem em Freud duas linhas de reflexão sobre o feminino. Existiria uma principal que seria a inveja do pênis e, às margens disso, outras observações, conceitos, ideias e falas que não se encaixam tão bem nesse Freud que centraria sua teorização em torno do falo, também dito falocentrico.
 
A questão da inveja do pênis coloca a mulher numa posição de quem não tem alguma coisa. Esta seria uma das razões possíveis pra explicar uma certa clínica da revindicação, da desvalorização feminina etc. Vou citar uma passagem de Freud que separei mas poderia citar várias outras:“Observa-se com facilidade que as meninas compartilham plenamente a opinião que seus irmãos têm do pênis, elas desenvolvem um vivo interesse por essa parte do corpo masculino, interesse que é logo seguido pela inveja, as meninas julgam-se prejudicadas e quando uma delas declara que preferiria ser um menino já sabemos qual a deficiência que desejaria sanar, a deficiência de não ter o falo”.
 
Isso é um ponto. Ao mesmo tempo, sabemos que existe, em Freud, uma série de outras ideias em torno do feminíno como, por exemplo, associar as mulheres ao continente negro ou a conhecidíssima frase , já quase ao fim da vida, segundo a qual “ainda não conseguiu saber o que querem as mulheres”, motivo de uma certa ironia, de uma certa chacota. Isto dito, o que se vê é que, caso ficássemos absolutamente no campo da inveja do pênis, seria mais ou menos fácil responder à pergunta de Freud sobre o que quer uma mulher: ela quer um falo. Todo o campo da maternidade, por exemplo, é um pouco justificado por essa via.
 
O que vamos tentar situar um pouco hoje é o quê estamos chamando de feminino e que extravasaria um pouco a lógica fálica, também presente em Freud mas talvez não tão articulado assim. Freud tenta articular um pouco essas coisas, por exemplo, através da ideia segundo a qual as mulheres teriam um supereu menos desenvolvido justamente por não ter o temor da castração. Os homens, padecendo do complexo de castração, teriam, digamos assim, uma razão a mais pra se curvar às exigências do supereu o que não ocorreria no campo do feminino e que faria inclusive com que elas tivessem essa relação um pouco mais solta. Vemos, no entanto que isso não pode ser o final da discussão e que é preciso tentar ir além.
 
Considero que a grande virada se dá quando nos perguntamos: esse falo que as mulheres supostamente não tem, o que é? Essa é uma questão que Lacan situou e trabalhou durante anos a fio, ensinando seu auditório – e nós também – a sair de uma associação muito firme entre falo e pênis, que situa definitivamente a mulher no lugar de quem não tem alguma coisa.
 
Assim, a questão de Freud seria o pênis. Mas se o pênis é um sinal de potência, de gozo, o valor fálico de símbolos de poder etc., o pênis não é só isso. O pênis é também aquilo que não comparece como deveria, aquilo que depois do prazer, precisa de um tempo sem prazer. É aquilo que, na prática, para um homem, se apresenta, sim, como poder, mas também como aquilo que limita o prazer. Assim, a lógica fálica ou, o falo, passa a ser tomado por Lacan, não como órgão em si mas como o símbolo do que está associado ao prazer limitado, circunscrito.
 
Da falta ao excesso
 
O gozo fálico é então um certo modo de prazer, dito masculino, gozo fálico, que acontece e que depois de acontecer precisa parar. Trata-se, então, de uma regulação importante do campo pulsional. Já se vê que, associado a isso, vem a ideia de que o campo pulsional por si só não encontra, propriamente dito, uma ordenação, um limite e que isso pode ser transbordante a menos que alguma operação em torno disso venha dar contornos a coisa.
 
O falo passa a ser, portanto, o nome desse regulador de gozo. Nesse sentido a coisa se subverte: ao invés de dizermos “quem não tem o falo está em falta” – o que seria, supostamente, a teorização mais clássica –, chegamos em um “quem não tem o falo está em excesso”. Está em excesso por não ter tão à mão assim esse regulador de gozo, essa função que permite lidar com o transbordamento da pulsão de uma maneira mais ou menos controlada. É isso que permite, por exemplo, Lacan dizer: “à mulher nada falta” ou “nada falta à mulher”. Essa afirmação, feita por ele em 1963, no Seminário X, é, de certa forma bombástica, pois é, sim, uma certa retificação da lógica freudiana, ainda que não de toda lógica freudiana. É uma retificação de uma certa maneira de compreender, por exemplo, aquela passagem que eu trouxe, “as mulheres tem inveja de alguma coisa”. Lacan diz: “às mulheres nada falta”. O problema delas é, ao contrário, um certo excesso por, justamente, não ter grande intimidade com essa função fálica.

Assim como trouxe uma passagem de Freud, trago agora uma de Lacan para fazermos uma contraposição embora eu não queira ir muito longe nessa contraposição. É uma frase longa que não vou trabalhar a fundo, mas que permite pegar um pouco “o clima”:

A mulher revela-se superior no campo do gozo uma vez que seu vínculo com o nó do desejo é bem mais frouxo, a falta, o sinal menos com que é marcada a função fálica do homem e que faz com que sua ligação com o objeto tenha que passar pela negativização do falo e pelo complexo de castração é isso que não constitui para a mulher um nó necessário.

Vocês veem a completa subversão da ideia anterior. O próximo passo, já entrando um pouco no assunto que o Guilherme Gutman trouxe, seria esse: a questão de “quem tem o falo” e “quem não tem o falo” precisaria ser relativizada. Esse “quem” não pode ser absoluto. Não podemos separar o mundo entre “pessoas que tem” e “pessoas que não tem”.

A ideia é, num certo sentido e como está escrito no argumento que tem no nosso folder, que, para psicanálise, a questão do feminino não é uma questão de gênero, isto é, não é uma questão de dividir a sociedade humana entre dois sexos: homens e mulheres. A ideia é: tem alguma coisa que a gente está chamando de feminino e que um homem certamente experimenta ou pode experimentar. Inversamente, também não há mulher alguma que não recorra também ao falo para situar seu gozo. As mulheres talvez estejam, sim, um pouco mais próximas desse transbordar do gozo, tenham que se haver um pouco mais com esse gozo transbordante não fálico. Isso não quer dizer que não haja recurso ao falo, mesmo que ela tenha que buscar o falo do Outro, mesmo que seja através do desejo do Outro.
 
Tomemos, por exemplo, o campo da teorização da histeria. Trata-se de um campo muito centrado em torno do falo, ou seja, histeria não é sinônimo de feminino e sim uma das maneiras possíveis desse feminino se organizar e, frequentemente, isso passa pelo valor fálico da mulher no desejo do Outro.
 
A psicanálise nos tempos atuais: os excessos….

Separamos então nossa questão da questão do gênero, o que nos permite entrar na questão do excesso. O subtítulo da nossa Jornada, ‘excesso’, não é, propriamente, um conceito. Não tem uma definição precisa, não é um conceito freudiano, nem lacaniano. Se estamos associando isso ao feminino é porque esse gozo transbordante característico das mulheres teria uma certa relação com ele. Além, disso, há uma hipótese segundo a qual isso também apareceria como uma das características importantes do nosso tempo.
 
Localizaríamos isso, por exemplo, nos sintomas marcados por um transbordamento de gozo e por uma satisfação incessante, excessiva, como nas toxicomanias, nas compulsões alimentares, nas compulsões por compras, nas compulsões amorosas e por aí vai. Um dos grandes temas que estamos propondo nessas Jornadas é justamente tentarmos nos perguntar sobre o quê a psicanálise faz com esse excesso tão característico dos tempos atuais. De fato, há toda uma lógica da psicanálise centrada na ideia de que o sujeito goza de menos em função de uma proibição do pai, de uma proibição da civilização e de que é em torno dessa proibição que os sintomas se formam – pretendo voltar a falar sobre o sintoma propriamente dito mais pra frente. Isto posto, o que vemos hoje é um cenário muito diferente: a psicanálise precisa lidar com uma sociedade onde o gozo, a princípio proibido, se torna obrigatório. Estou fazendo divisões estanques que não são absolutas mas que desenham alguma coisa, a saber, que isso coloca uma série de novos problemas e novas questões pra psicanálise. A questão então seria: diante desse excesso, diante desse excesso pulsional tão marcado na nossa época, o que faz a psicanálise? Ela funciona como um falo artificial? Ela vai buscar a boa medida, a temperança, o bom senso? A resposta é ,evidentemente, que não. Ao mesmo tempo, é preciso que alguma outra coisa ela faça que não seja ir na uma contramão do que era o pai, do mito paterno, da ideia de que alguém em algum lugar proíbe que o sujeito faça o que queira. Esse é um ponto importantíssimo nas questões de transformações sexuais e dos múltiplos gozos que os sujeitos desejam ter hoje. Quando se vive numa época em que se pode supor que alguém proíbe alguma coisa, é mais fácil ter a fantasia de que se ninguém proibisse, tudo seria melhor, todos teriam direito plenamente ao seu próprio gozo, a ideia de uma sociedade libertária etc.

O que vivemos hoje é justamente a falência dessa ideia ou dessa fantasia pois, a partir do momento em que tudo é permitido, em que tudo é possível, vemos que por trás da proibição paterna , o que há de fato é uma impossibilidade inerente à satisfação, é o fato de que esta nunca é idêntica ao sujeito que diz a ter. Quando lidamos com a satisfação, passa-se muito rápido da falta para o excesso. Na medida em que se pode tudo, o transbordamento, a pulsão de morte etc. se tornam a tônica das compulsões, cadeia infinita de objetos na qual nenhum deles é exatamente isso que se busca.

Busquemos agora situar o segundo termo do subtítulo: “a sutileza”.

…e as sutilezas

O que seria isso que estamos chamando de sutileza. Como eu disse, não é a boa medida, nem é temperança. Não é o sutil no sentido de ser adequado, de ser correto, de saber se comportar, etc. É de um outro tipo de sutileza que estamos falando, dum tipo, sem dúvida, muito mais difícil de definir. Esse talvez seja o grande tema das Jornadas: há duas plenárias que serão inclusive em torno disso.

A primeira se chama: Como se escreve o feminino?. A ideia é que esse gozo escapa à possibilidade de ser nomeado e transborda o simbólico. Trata-se de algo do qual não se consegue falar e que puxa então a pergunta: como se escreve? É verdade que essa pergunta já coloca uma afirmação, uma tomada de posição: isso se escreve. Mas como isso se escrever, não é nada óbvio. Teremos então, durante as jornadas, um tempo especial dedicado a isso. Buscaremos abordar a questão tanto no campo da literatura como no campo do fim de análise, nos relatos ditos de Passe.

O passe, talvez vocês saibam, é uma maneira da Escola pensar o final de análise, a passagem a analista e como isso se materializa. Essa materialização do excesso é que a gente está chamando de sutileza. Embora eu saiba que eu estou falando de alguma coisa ainda vaga, podemos adiantar que se trata de uma sutileza que guarda íntimas relações com o excesso. Não e a pulsão de morte em sua plenitude, mas também não é seu oposto.
 
Trata-se de alguma coisa difícil de situar. Assim, justamente, a segunda plenária se chama: “O analista e a mulher”, pois parte de uma certa hipótese segundo a qual essa sutileza, que, por sua vez, está ligada ao uso feminino, também tem muito a ver com a posição do analista, com aquilo que faz o psicanalista. Há uma passagem de Lacan que está sendo muito citada e usada na Escola em função do fato do tema do feminino estar muito em voga e que é a seguinte: “As mulheres são as melhores analistas quando não são as piores”. Isso dá bem a ideia do quanto que a sutileza fundamental para uma analista pode também estar próxima do excesso transbordante. É algo que precisa estar lá mas que também tem íntimas relações com aquilo que é devastador, com aquilo que é despersonalizante, com aquilo que é caótico etc. A grande questão das Jornadas seria talvez: como passar do excesso para sutileza sem recorrer ao falo? É uma questão muito ampla que, na verdade, coloca em xeque o que é a própria psicanálise e, mais especialmente, o que é a psicanálise hoje. Como passar do caos à singularidade sem recorrer a boa medida, a temperança, a esquemas mais ou menos prontos, ao analista como aquele que sabe, que tem a sua experiência, que vai ajudar o analisando a dar uns bons contornos pra isso. Isso tudo está presente na clínica, faz parte dela mas não é o fundamental da coisa. Coloca-se então a questão do que acontece nesse lugar.
 
O sintoma ontem e hoje

Pra tentar rapidamente chegar na questão do sintoma, pra tentar situar em torno do sintoma, isso que imagino ser o problema, me perguntei, ao ver que, justamente, essa mesa preparatória se daria em torno da questão do sintoma, a respeito da possibilidade de como articular o excesso ao sintoma e me dei conta – é pelo menos assim que eu queria tentar ler com vocês ou colocar isso em debate – que, a princípio, a invenção freudiana da psicanálise se deu em torno da ideia de que o sintoma é decorrencia de um excesso que aconteceu em algum lugar. A teoria do trauma segundo Freud é: esse sintoma existe porque em algum lugar houve um excesso de gozo. Mesmo Freud tendo, em 1898, abandonado a teoria da sedução, quando diz não acreditar mais na sua histérica etc., preserva-se, ainda assim, a ideia de que o excesso não se deu de fato, a idéia de que, na realidade, não houve, de fato, sedução. Isto posto, o excesso teria sido “desejado”, teria se manifestado psiquicamente como desejo, como intenção. Alguma coisa teria então proibido essa satisfação e o sintoma surgiria como satisfação substitutiva. Mas essa satisfação implicaria um sofrimento. Isso da conta do quanto o sintoma está ligado, não apenas a uma disfunção, mas também a essa satisfação, ou seja, o excesso é situado inicialmente como uma suposição, supõe-se que alguém em algum lugar gozou demais, que alguém em algum lugar gozou cedo demais e que isso deu problema. Em uma análise aposta-se na palavra como uma maneira de chegar a isso. Nesse caminho, encontram-se as sutilezas.
 
Mas o que seriam estas sutilezas? Seriam as maneiras diversas de abordar isso que teria sido um excesso, seria abordar as pequenas parcelas de gozo de um sujeito, as singulares maneiras através das quais alguém goza, alguém foi gozado etc. Ainda que isso nunca seja encontrado de maneira absoluta, uma análise vai levando um sujeito a encontrar isso de diversas maneiras, a nomear isso de diversas maneiras mesmo que não muito claras. A própria presença do analista está ali para materializar o fato de que isso, o gozo, nunca é completamente nomeável. Sua presença sustenta um pouco esse relançamento da questão sobre o gozo e sobre essa outra presença que cabe mas não cabe nas palavras.
 
Ao longo de uma análise, com meia dúzia de sutilezas, é possível desenhar um excesso. Com meia dúzia de sutilezas materializadas, tem-se uma ideia de qual é a maneira excessiva de um sujeito obter satisfação e que é difícil de ver, que é difícil de encarar sendo, por isso mesmo, encarado através de sutilezas. Não estou querendo dizer com isso que o excesso não se apresente, até porque a sutileza em questão é excessiva, mas acho que dá para organizar um pouco assim. Este seria sintoma dito clássico e a forma como seria tomado numa análise, o que não é mais o caso, ou pelo menos não é o caso sempre, ou pelo menos não é o caso dos sintomas que estamos pesquisando e que estão, também, se apresentando, hoje, na clínica.

Nestes últimos, o excesso é o sintoma. O excesso é justamente a impossibilidade de dar um contorno à satisfação, de dar um contorno à devastação que se apresenta de maneira nua e crua. Isso muitas vezes complica bastante o que seria, a princípio, o início de uma análise. Aqui, não teríamos mais o excesso como uma suposição. Já não seria possível fazer dele a causa de uma busca de sentido. Mesmo quando se diz que Freud buscava o sentido do sintoma, o que de fato buscava era o sentido do excesso, era o sentido muito ligado ao excesso e não um sentido qualquer. Se ele dissesse a uma histérica cuja perna se encontrasse paralisada: “a sua paralisia se deu porque um carro buzinou na rua”, estaria dando um sentido qualquer, não haveria uma certa articulação desse sentido com a satisfação excessiva. Isso se perde ou pelo menos isso se torna muito menos utilizado quando os sintomas são sintomas transbordantes de gozo. Vemos, por exemplo, na clínica das toxicomanias, uma aderência muito grande ao uso de substancias. É muito difícil fazer disso um desejo de saber. É muito difícil dizer ao um toxicômano: “vamos encontrar a razão disso”, “vamos encontrar o porquê disso”, “fale mais sobre isso” etc. Sabemos que a clínica analítica fracassa ao se posicionar desse modo.

Muitas vezes, não parece ser mais possível adiar o excesso ou a sutileza. Este é um dos grandes temas de pesquisa das Jornadas. Teremos uma mesa redonda inteira em torno da clínica dos excessos, pessoas que trabalham com isso, trazendo as suas hipóteses, debatendo entre si, se perguntando como faz a psicanálise hoje com isso, etc. Mas para não deixar apenas para as Jornadas e para finalizar, acho que o que se subverte na teoria do início de análise ou na clínica do início de análise é: às vezes é preciso encontrar já uma sutileza; é preciso produzir uma sutileza pra que a própria questão sobre o gozo se coloque. Não é possível mais que o analista faça um convite à associação livre como convite vago, como convite de que fale, apostando, junto ao paciente, que em algum lugar e em algum momento algo será encontrado. Isso muitas vezes não encontra eco, não fisga o sujeito, não fisga o gozo. Acho então que se existe alguma coisa de urgente. O que se chama de emergência nessa clínica mais grave talvez não seja o fato de que o sujeito vai morrer, de que é urgente porque a situação é grave. Entendo a urgência aí como: há uma certa urgência em materializar esse gozo excessivo através de uma sutileza e a partir daí, talvez, uma pergunta possa ser colocada sobre isso.
 
Para saber mais sobre as XXI Jornadas Clínicas da EBP-Rio e do ICP-RJ, clique aqui.
*Rodrigo Lyra é psicanalista, correspondente da EBP-Rio e coordenador das XXI Jornadas Clínicas da EBP-Rio e do ICP-RJ

sábado, 6 de outubro de 2012

DORES DURANTE A RELAÇÃO SEXUAL

Colaboração com o caderno NA MIRA coluna "QUEBRANDO TABU" do jornal O ESTADO DO MARANHÃO no dia 05.10.2012
 
 
Nossa coluna “Quebrando Tabu” tem recebido e-mails com dúvidas enviados por leitores e leitoras. Hoje escolhemos um deles para responder. Continuem enviando suas dúvidas, pois nosso objetivo é ajudar a melhorar a qualidade de vida.
 
“tenho 19 anos e tenho muitas dores durante as relações sexuais com meu namorado, inclusive em muitas vezes impossibilitando o ato. Desejo saber o que fazer, pois tenho medo de perder meu namorado para outras mulheres”.
 
RESPOSTA:
 
Prezada leitora quero agradecer por ter enviado seu e-mail para a coluna “Quebrando Tabu” expondo seu problema, pois através dele outras mulheres que sofrem com situação semelhante poderão ser orientadas para buscar solução para este problema. Você se refere sobre um tipo de disfunção sexual cada vez mais comum entre as mulheres, na realidade são duas situações conhecidas com Dispareunia e Vaginismo.
 
Ambas são consideras como disfunção sexual, pois impedem ou dificultam as relações sexuais. Uma é de origem psicogênica e outra de origem fisiológica. Para saber em qual é a origem das dores é necessário que um(a) médico(a) ginecologista seja consultado(a) para diagnosticar.
 
Vamos primeiro compreender o que é cada uma das classificações. Lembrando que as disfunções sexuais se referem aos estágios da resposta sexual humana que são DESEJO, EXCITAÇÃO e ORGASMO.
 
Vaginismo é a sensação de dor provocada pelo medo da penetração. Ele é uma reposta da musculatura vaginal que dificulta parcial ou totalmente a penetração do pênis na vagina, e muitas vezes do próprio exame ginecológico.
 
Quando ocorre a relação sexual, a mulher excitada relaxa os músculos da região genital para facilitar a penetração e se adaptar a grossura do pênis. Por motivos emocionais, isto é, de traumas psicológicos, o corpo da mulher responde de forma oposta, isto é, contraindo de forma involuntária a musculatura, e com isto dificultando ou mesmo impedindo a penetração. Como informação importante sobre a fase da excitação, deve-se considerar que o homem para ter uma vasocongestão pélvica, isto é, estar pronto para a relação sexual, é necessário de 40 a 60 mililitros de sangue, enquanto na mulher esta quantidade é de 500 a 700 mililitros,
 
O vaginismo não impede a mulher sentir desejo, excitação e orgasmo se não for penetrada. A origem do problema pode estar ligada tanto a um trauma como a educação sexual inadequada dada quando criança e provocada por influências culturais e emocionais dos educadores. Após a consulta médica para diagnóstico é necessário a procura de um(a) psicanalista ou psicólogo(a) especializados na área da sexualidade.
 
Dispareunia é o nome da disfunção sexual que provoca dor durante a relação sexual e que tem origem orgânica, como infecções, ressecamento vaginal provocado pela falta de lubrificação, irritações vaginais ou das vias urinarias.