Como
sujeito pensante e crítico dos tempos em que vivo, já há algum tempo, ao
preparar as aulas de Administração de Serviços para as turmas que ministro em
duas Instituições de Ensino Superior (UNDB e FABEA/FGV) me deparo com
inquietações sobre as noções de Qualidade em Serviços.
Tenho
lido e discutido sobre a influência dos discursos Capitalista e da Ciência no
dia-a-dia das pessoas, nos seus hábitos de consumo, nas profissões e no ensino
da Administração. Em primeiro quero dizer que “discurso”, na linguagem psicanalítica,
é uma forma de laço social, isto é, uma maneira de relacionamento entre as
pessoas e que são tecidos e estruturados pela linguagem. Esta ideia nos é
apresentada por Jacques Lacan, famoso psicanalista francês que em seu Seminário
17 partiu da relação dialética introduzida pelo filósofo Hegel em “A
Fenomenologia do Espírito” entre o Senhor e o Escravo.
No
processo de um discurso temos de um lado o Senhor ou Mestre, isto é, aquele que
domina a relação já o Escravo, é aquele que se submete e que produz um saber
que será utilizado em benefício do mestre para atender seus desejos e
necessidades. Nesta “dialética” temos três posições, o Senhor, o Escravo e o
produto do trabalho (ou saber) deste.
É
possível ver que o Senhor é o mercado e o Escravo que possui um “saber fazer” está
representado pelo prestador do Serviço. Ocorre que este Senhor (mercado) sempre
irá querer mais, pois está em continua insatisfação, e o produto do trabalho
não gerará satisfação suficiente, pois o mercado sempre irá querer mais e/ou
outro produto/serviço. Fica a questão de e como atender as expectativas geradas
pelos desejos e necessidades sempre insatisfeitas?
No
discurso da Ciência há uma procura da “comprovação científica” dos fatos e das
respostas aos questionamentos feitos. Algo só terá validade se a Ciência der
seu aval, isto é, se o experimento em laboratório produzir resultados
semelhantes ao do dia-a-dia. A “verdade” procura se tornar dogmática, isto é,
receber um carimbo de “provado cientificamente”.
Porém
nem tudo pode ser enquadrado em normas e parâmetros. O indivíduo é um objeto
que não cabe em normas e regras, isto é, será sempre uma singularidade. As
relações humanas são outro exemplo desta posição, muitas vezes funcionam para o
“público externo” diferentemente do que entre “quatro paredes”.
No
discurso do Capital, uma quinta forma de laço social na qual não existe uma
relação entre o mestre e o escravo, isto é, na realidade não existe laço
social.
Como
estudo da Administração se enquadra nestes processos complexos? Encontramos de
um lado o desejo de dar estatuto de ciência à Administração, e do outro, as
singularidades das necessidades e desejos humanos criando as expectativas dos
sujeitos. Lembrando que necessidade é aquilo do qual não é possível prescindir
(alimento) e desejo é uma necessidade que foi satisfeita com um plus de prazer
(determinado alimento).
Fitzsimnons
e Fitzsimmons (gurus dos demais teóricos dos serviços) definem Qualidade em Serviços
comparando as expectativas do cliente e sua percepção sobre o serviço recebido.
Se a expectativa for satisfeita a qualidade é percebida como satisfatória. Caso
contrário tem-se a qualidade insatisfatória. Como é possível observar, a Qualidade
em Serviços está atrelada as expectativas e a satisfação do cliente.
Os
conceitos de Qualidade passaram por algumas fases, a primeira era que algo
tinha qualidade quando as especificações do produto/serviço eram atendidas; a
segunda enfocando a adequação ao uso; a terceira um conceito emocional, de
surpreender o cliente e a quarta fase o atendimento das reais necessidades do
cliente. Acredito que hoje é possível falar em uma quinta fase, a de atender
as expectativas do cliente.
Os
livros que uso para fundamentar as aulas, quando falam em qualidade usam sempre
termos como “padrão”, “norma”, “manter a qualidade”, etc., mas ao mesmo tempo, encontram-se
palavras como “customização”, “atender as expectativas do cliente”,
”intangibilidade”, “hora da verdade”, etc., mas como conciliar conceitos
antagônicos?
Minha
questão é: se as expectativas do cliente são únicas e singulares, como então
padronizar os serviços dando-lhes qualidade? Os serviços são produzidos enquanto
consumidos, o cliente é coautor do serviço, o insumo do serviço é o cliente e
um dos elementos do processo é um trabalhador. Isto significa que temos duas
pessoas que interagem nesta troca e ambas possuem singularidades e diferenças próprias.
Como escapar das “armadilhas” dos discursos da Ciência e do discurso da
Capital?
A
resposta eu acredito te achado ao ler uma entrevista do psicanalista Jorge
Forbes citando o filósofo italiano Giorgio Agamben. A solução é trocar o termo
“qualidade em serviços” por “serviços qualificados”, pois no primeiro caso o
esforço se concentra na “qualidade” e no segundo se concentra em “serviços”. O
que significa prestar um serviço com responsabilidade.
O
caminho para isto está no processo de diferenciação dos serviços, como tornar a
experiência do serviço uma memória viva; personalizar, mais do que customizar;
reduzir a possibilidade de decepção, ou mesmo frustração pelo cliente quando da
percepção do serviço recebido; controle constante sobre os valores ofertados e
finalmente, sempre treinar a equipe de prestadores do serviço em simpatia e
empatia.
Michael Porter diz: “A vantagem competitiva surge
fundamentalmente do VALOR que uma empresa tem condições de criar para os
seus clientes.” É preciso lembrar que VALOR é a capacidade que um bem ou
serviço possui de atender as necessidades ou desejos do cliente. Espero que
esta reflexão abra canais de discussões sobre o assunto.