domingo, 21 de outubro de 2012

QUALIDADE EM SERVIÇOS OU SERVIÇOS QUALIFICADOS?


Como sujeito pensante e crítico dos tempos em que vivo, já há algum tempo, ao preparar as aulas de Administração de Serviços para as turmas que ministro em duas Instituições de Ensino Superior (UNDB e FABEA/FGV) me deparo com inquietações sobre as noções de Qualidade em Serviços.

Tenho lido e discutido sobre a influência dos discursos Capitalista e da Ciência no dia-a-dia das pessoas, nos seus hábitos de consumo, nas profissões e no ensino da Administração. Em primeiro quero dizer que “discurso”, na linguagem psicanalítica, é uma forma de laço social, isto é, uma maneira de relacionamento entre as pessoas e que são tecidos e estruturados pela linguagem. Esta ideia nos é apresentada por Jacques Lacan, famoso psicanalista francês que em seu Seminário 17 partiu da relação dialética introduzida pelo filósofo Hegel em “A Fenomenologia do Espírito” entre o Senhor e o Escravo.

No processo de um discurso temos de um lado o Senhor ou Mestre, isto é, aquele que domina a relação já o Escravo, é aquele que se submete e que produz um saber que será utilizado em benefício do mestre para atender seus desejos e necessidades. Nesta “dialética” temos três posições, o Senhor, o Escravo e o produto do trabalho (ou saber) deste.

É possível ver que o Senhor é o mercado e o Escravo que possui um “saber fazer” está representado pelo prestador do Serviço. Ocorre que este Senhor (mercado) sempre irá querer mais, pois está em continua insatisfação, e o produto do trabalho não gerará satisfação suficiente, pois o mercado sempre irá querer mais e/ou outro produto/serviço. Fica a questão de e como atender as expectativas geradas pelos desejos e necessidades sempre insatisfeitas?

No discurso da Ciência há uma procura da “comprovação científica” dos fatos e das respostas aos questionamentos feitos. Algo só terá validade se a Ciência der seu aval, isto é, se o experimento em laboratório produzir resultados semelhantes ao do dia-a-dia. A “verdade” procura se tornar dogmática, isto é, receber um carimbo de “provado cientificamente”.

Porém nem tudo pode ser enquadrado em normas e parâmetros. O indivíduo é um objeto que não cabe em normas e regras, isto é, será sempre uma singularidade. As relações humanas são outro exemplo desta posição, muitas vezes funcionam para o “público externo” diferentemente do que entre “quatro paredes”.

No discurso do Capital, uma quinta forma de laço social na qual não existe uma relação entre o mestre e o escravo, isto é, na realidade não existe laço social.

Como estudo da Administração se enquadra nestes processos complexos? Encontramos de um lado o desejo de dar estatuto de ciência à Administração, e do outro, as singularidades das necessidades e desejos humanos criando as expectativas dos sujeitos. Lembrando que necessidade é aquilo do qual não é possível prescindir (alimento) e desejo é uma necessidade que foi satisfeita com um plus de prazer (determinado alimento).

Fitzsimnons e Fitzsimmons (gurus dos demais teóricos dos serviços) definem Qualidade em Serviços comparando as expectativas do cliente e sua percepção sobre o serviço recebido. Se a expectativa for satisfeita a qualidade é percebida como satisfatória. Caso contrário tem-se a qualidade insatisfatória. Como é possível observar, a Qualidade em Serviços está atrelada as expectativas e a satisfação do cliente.

Os conceitos de Qualidade passaram por algumas fases, a primeira era que algo tinha qualidade quando as especificações do produto/serviço eram atendidas; a segunda enfocando a adequação ao uso; a terceira um conceito emocional, de surpreender o cliente e a quarta fase o atendimento das reais necessidades do cliente. Acredito que hoje é possível falar em uma quinta fase, a de atender as expectativas do cliente.

Os livros que uso para fundamentar as aulas, quando falam em qualidade usam sempre termos como “padrão”, “norma”, “manter a qualidade”, etc., mas ao mesmo tempo, encontram-se palavras como “customização”, “atender as expectativas do cliente”, ”intangibilidade”, “hora da verdade”, etc., mas como conciliar conceitos antagônicos?

Minha questão é: se as expectativas do cliente são únicas e singulares, como então padronizar os serviços dando-lhes qualidade?  Os serviços são produzidos enquanto consumidos, o cliente é coautor do serviço, o insumo do serviço é o cliente e um dos elementos do processo é um trabalhador. Isto significa que temos duas pessoas que interagem nesta troca e ambas possuem singularidades e diferenças próprias. Como escapar das “armadilhas” dos discursos da Ciência e do discurso da Capital?

A resposta eu acredito te achado ao ler uma entrevista do psicanalista Jorge Forbes citando o filósofo italiano Giorgio Agamben. A solução é trocar o termo “qualidade em serviços” por “serviços qualificados”, pois no primeiro caso o esforço se concentra na “qualidade” e no segundo se concentra em “serviços”. O que significa prestar um serviço com responsabilidade.

O caminho para isto está no processo de diferenciação dos serviços, como tornar a experiência do serviço uma memória viva; personalizar, mais do que customizar; reduzir a possibilidade de decepção, ou mesmo frustração pelo cliente quando da percepção do serviço recebido; controle constante sobre os valores ofertados e finalmente, sempre treinar a equipe de prestadores do serviço em simpatia e empatia.

Michael Porter diz: “A vantagem competitiva surge fundamentalmente do VALOR que uma empresa tem condições de criar para os seus clientes.” É preciso lembrar que VALOR é a capacidade que um bem ou serviço possui de atender as necessidades ou desejos do cliente. Espero que esta reflexão abra canais de discussões sobre o assunto.