Texto
originalmente publicado no site http://www.jorgeforbes.com.br/br/artigos/de-quem-o-pai-gosta-mais.html
Jorge
Forbes
Pais
ficam aflitíssimos ao afirmarem: -“Gosto dos meus filhos igualzinho”, por serem
imediatamente contestados. – “É mentira!” brada o primeiro, “É mentira!”,
repete o segundo, o terceiro e quantos mais filhos houver.
“É
mentira”, fala também a voz da consciência na cabeça dos pais: eles sabem que é
mentira, mas como confessá-la sem imediatamente não se verem tachados pelos
filhos, e por si próprios, de injustos, interesseiros, parciais, e mais e mais?
Por
suposto que é mentira e qual é o grande problema em afirmá-lo? A questão é que
se condensa e se confunde, no termo "gostar", afinidade e amor. O
impasse pode ser facilmente resolvido se os pais souberem que o amor pelos
filhos é igual, mas as afinidades com um ou com outro, são obviamente
diferentes, inclusive variando no tempo e na circunstância.
O
amor de um pai – genericamente falando, pai ou mãe – por um filho, é um amor
que faz com que ele possa morrer por um filho. Esse é um tema destacado pelo
filósofo francês, Luc Ferry, em seu último livro: A revolução do amor. Quando
se morre por alguém, evidentemente não há graduação; não se pode morrer mais
por um filho e menos por outro. Ninguém morre pela metade e `morrer´, aqui, não
é utilizado metaforicamente. Hoje em dia não morremos mais pelos três grandes
ícones do mundo moderno, anterior ao nosso, pós-moderno, a saber: a pátria, a
revolução, a religião; quando se trata do mundo ocidental, é claro. Essas
atitudes não fazem mais nenhum sentido, embora já tenha feito e muito. Mas,
morrer por um filho, sim; nenhum outro sentido lhe é hoje superior.
Agora,
já a afinidade é outra coisa. A afinidade é uma parte do amor, aquela que diz
respeito ao compartir os mesmos fins. Exemplo: torcer por um time de futebol;
gostar de um tipo de conversa e de leitura; preferir uma casa de praia, ou de
montanha; escolher uma roupa, mais discreta ou mais espalhafatosa; compartilhar
o gosto por cinema; adorar ficar em casa, ou sair muito; e por aí vai. A
afinidade é múltipla, e como escrevi acima, varia com o tempo. Ninguém comparte
todas as afinidades com a mesma pessoa, é quase impossível, até porque a
própria pessoa muda seus gostos pelos mais variados motivos: pelo dia, humor,
cansaço, enfim, pelo chamado “estado de espírito”. A consequência é que pode
parecer que hoje o pai prefira o filho mais velho e que amanhã o caçula se veja
o escolhido. Diz alguém que o sortudo é o pai, pois esse – pai ou mãe – só
existindo um, ao filho não é dado preferir uma mãe a uma outra mãe. Por certo
ele preferirá algumas vezes a mãe, noutras o pai.
O
mais interessante do amor de um pai por um filho é que ele não é explicável,
logo, também por isso não cabe dizer que ele é maior por este ou aquele filho,
uma vez que não sendo explicável não pode ser mensurável.
Este
ponto de inexplicável, de não dito no amor de pais e filhos é uma âncora
fundamental para a vida de um filho. Ele junta nessa âncora duas qualidades
importantes: apoio e flexibilidade. Apoio, pois um filho conta com a certeza
desse amor, ao enfrentar as incertezas da vida, e flexibilidade, pois
exatamente por não ter explicação, esse amor permite muita variação de escolhas
pelo filho: ele não será menos amado se fizer isto ou aquilo, exatamente porque
o amor está sempre além das afinidades. Aqui vale lembrar que ele está mais
além inclusive das afinidades biológicas. Temos um fato recente que ilustra
isso, dado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Ocorre que FHC
reconheceu um filho gerado fora de seu casamento, há um bom tempo. Razões que
ultrapassam o nosso âmbito o levaram a fazer um teste de DNA, de prova de
paternidade. Esse teste deu negativo, negando-lhe a paternidade biológica.
Incontinenti, o ex-presidente disse que sua paternidade não dependia do
componente de DNA e que em nada aquele teste mudaria sua relação com o seu
filho.
As
afinidades são muitas, diversas, móveis; o amor de um pai é um só.