segunda-feira, 22 de setembro de 2014

A PSICANÁLISE E A TEORIA COMPORTAMENTAL NA ADMINISTRAÇÃO


Parte deste texto foi publicado no site Administradores.com.br  em 11.09.2014 com o título 'Para administrar na pós-modernidade é necessário mudar as "verdades" estabelecidas'.


Estudando Psicanálise através da leitura do livro “Psicanálise a clínica do Real” me deparei com uma colocação da Psicanalista Angelina Harari que  despertou o meu lado  Administrador e do professor de Administração. Eis o trecho motivador desta reflexão: "O analista do século XXI deve agir nas instituições tendo em mente que o laço social que une a sociedade hoje em dia é o amor: chefes viram amigos, relações de trabalho se tornam mais intimas, a hierarquização está cada vez mais imperceptível, os papéis dentro das instituições, outrora predefinidos e sem 'zonas cinza', agora se confundem. Nas instituições públicas, a situação torna-se ainda mais delicada pelo fato de que as leis e regras impostas travam sua atuação, porém não as impossibilitam”.

Em primeiro lugar, e isto  é importante para a compreensão destas reflexões, apontar como a Administração e a Psicanálise entraram em sintonia na minha vida. Nos anos 90, enquanto consultor de organizações como Banco Central, Petrobrás, Varig, BRB, Grupo Rhodia, várias TELES, na área que hoje é conhecida como Mudança Organizacional, sentia que precisava de mais informações/conhecimentos que transcendessem o que a ciência da Administração me assegurava. Durante esta busca, encontrei a Psicanálise que além de instrumentalizar me capturou, transformando um Administrador em um Psicanalista Clínico.

Enquanto professor de matérias no curso de Administração de Empresas em duas instituições, sempre buscava levar os alunos a terem um olhar além das técnicas administrativas. Queria que vissem o contexto no qual a organização estava inserida, as diferentes culturas que influenciavam os processos e também o “Sujeito” (termo psicanalítico) e não apenas as “pessoas”, os clientes, os trabalhadores, os fornecedores, etc., que lhes eram apresentadas através de abordagens psicológicas baseadas na visão cognitivo-comportamental.

Faz algum tempo que vários autores afirmam que o grande diferencial competitivo que as organizações possuem hoje é “as pessoas”, pois, segundo eles, são elas que fazem a diferença. Para estudar e depois lidar com as pessoas o foco psicológico adotado nos cursos de Administração é a Teoria Comportamental, isto é, uma visão cognitivo-comportamental do indivíduo. É através dela que se constrói toda uma base filosófica de trabalho para o Administrador. As percepções dos Administradores para o comportamento humano relacionado à liderança, hierarquia, tomada de decisão, motivação, negociação, vendas, marketing, aos processos, eficiência, eficácia, etc., é feita através desta teoria construída no final da metade do século passado.

Porém o mundo mudou muito nos últimos anos, vivemos o que muitos cientistas sociais chamam de ‘pós-modernidade’. As vicissitudes e características desta época são muito bem apresentadas no livro “O Mal-Estar da Pós-modernidade” de Zygmunt Bauman. Esta época se apresenta estruturada, segundo a visão psicanalítica, em novos e fundamentais paradigmas muito diferentes dos de um passado recente. Diante de um mundo em mudanças rápidas e imprevisíveis, o Administrador precisa saber agir frente àquilo que não compreende, e isto começa pelo planejar, organizar, dirigir e controlar, as funções básicas de todos os profissionais da Administração.

A principal característica deste tempo é a queda da figura de autoridade masculina representada simbolicamente pelo pai. A configuração das novas famílias contribui para que esta figura seja cada vez mais ausente da educação dos filhos. Os efeitos disto se espalham por todas as outras figuras de autoridade masculina como o padre, o pastor, o juiz, o politico, e como não poderia deixar de ser com a figura do chefe dentro das organizações. Como consequência vivemos em um mundo onde cada vez mais a comunicação é feita através de monólogos articulados e não mais de diálogos, se caracteriza pela quebra das linhas de obediência.

Analisando as relações humanas (laços sociais) podemos perceber que antigamente elas eram normatizadas por padrões estáveis, eram hierarquizadas, estabeleciam o que era certo e o que era errado e todas as pessoas sabiam quais eram seus lugares e o que elas eram dentro das organizações. No tempo de hoje vive-se uma flexibilidade maior e menor padronização, a subjetividade torna as situações mais afetivas do que racionais, é necessário que os laços sociais tenham mais o jeito de pactos do que códigos de ética, pois o mundo atual não tem mais uma representação de disciplina.
Os laços sociais (relações humanas) deixaram de ter padrões fixos e se tornaram mais diretos, são o que se chama de “rede” e têm múltiplos padrões, mas o que os caracteriza são a intensidade maior e a maior facilidade de rupturas, como diz o sociólogo polonês Zygmunt  Bauman, as relações são liquidas. Infelizmente a grande maioria das organizações e os lideres organizacionais não estão preparados para atuar dentro deste novo cenário. Os laços sociais deixaram de ser verticalizados para serem horizontalizados.

Já os princípios organizacionais como missão, visão, valores e códigos de ética cada vez tem menos aderência por parte dos integrantes das organizações. Eles são genéricos, usam termos padronizados e soam como falsidades para muitos empregados cuja identidade tem a ausência de ideais, pois já não se “morre pela pátria” e o “vestir a camisa” da empresa sempre é relativo. Vivemos em um mundo com cada vez menos ideais coletivos. E como as empresas lidam com isto? A grande maioria lida de forma errônea, pois usam velhos remédios, ditados pela Teoria Comportamental, para sintomas novos, como nos diz Angelina Harari. As empresas precisam aprender a falar a linguagem dos desejos em detrimento da linguagem das necessidades, pois esta ultima fala de um passado, enquanto a primeira fala em histórias de superação.

Em uma entrevista recente para um grande jornal de circulação nacional, o psicanalista Jorge Forbes, afirma que as empresas precisam ir para o divã da Psicanálise, pois ela, a Psicanálise, é uma excelente ferramenta para que os Administradores saibam como se posicionar e atuar nestes tempos que vivemos e trabalhamos.


É preciso que o Administrador deixe para trás os enfoques administrativos baseados em um mundo uno, hierárquico e vertical com seus respectivos axiomas baseados na teoria defendida por Russell & Whitehead que se funda em uma verdade garantida e não mentirosa, para princípios baseados na teoria  de Kurt Gödel ,  que mostra que a “verdade’ sempre dependerá da base como desenvolvemos os pensamentos, isto é, que toda “verdade é mentirosa” como disse o psicanalista Jacques Lacan. Desta maneira será possível  para a empresa criar cultura, assim como fez Steve Jobs, isto é, saber fazer(savoir-faire) com que seus produtos e/ou serviços possam realmente fazer diferença na vida dos indivíduos/clientes internos ou externos.