sábado, 9 de fevereiro de 2013

OS DESEJOS HUMANOS E A HOMOSSEXUALIDADE.

Colaboração com o caderno NA MIRA coluna "QUEBRANDO TABU" do jornal O ESTADO DO MARANHÃO no dia 08.02.2013




Trataremos nesta edição sobre uma pergunta que me foi feita muitas vezes durante os seminários e palestras que ministro como psicanalista – Por que alguém é homossexual?

Esta é uma pergunta muito difícil de responder por várias razões, entre elas é que existem várias teorias e que nenhuma delas foi comprovada como verdade científica.

 A psicanálise é conhecida por ser a teoria de uma prática, isto é, das observações feitas no dia a dia dos consultórios. Portanto por ser estudioso dos seres humanos vou expor de forma muito breve algumas das minhas observações

Existem algumas abordagens teóricas que podem ser feitas, mas escolhi, por questão de espaço, apenas uma, a diferença entre instinto e pulsão. O Instinto é uma programação da natureza e existem dois tipos. O instinto de sobrevivência e o instinto de reprodução.  Eles estão presentes nos animais.  Na natureza não encontraremos, por exemplo, animais obesos, pois eles comem apenas para sobreviver e não por prazer. Em relação ao ato sexual, ele acontece (com raríssimas exceções) apenas quando a fêmea está no cio, pois visa à reprodução e com isto a perpetuação da espécie.

Nos seres humanos não temos os instintos, mas sim as pulsões (conceito físico, psicológico e social), pois os instintos são modificados pela cultura, nós fazemos sexo muito mais para ‘recreação’ do que para procriação. Isto faz nossos desejos sexuais se dirigirem para outros seres humanos, de acordo com ‘programações’ internas, representadas por crenças, valores e fantasias que vamos acrescentando principalmente nos primeiros anos de nossas vidas. Portanto não é apenas uma “programação biológica” que dirige os desejos nos relacionamentos.

De onde vêm nossos desejos? Eles se originam a partir das necessidades que o bebê humano tem ao nascer, como alimento, abrigo, segurança, acolhimento, etc., e como tais necessidades são providas por terceiros e sendo elas constituídas através da linguagem (ensinam a dar nomes aos objetos e as pessoas), estes terceiros passam a serem objetos de demandas.

Quando comparamos demandas e necessidades, vamos perceber que as segundas não satisfazem completamente as primeiras e o que resulta (resta) é o que chamamos de desejos. Estes desejos são responsáveis por todos os nossos movimentos de busca, inclusive de parceiros afetivos.

Podemos concluir baseado na teoria psicanalítica pensada por Jacques Lacan, partindo de Sigmund Freud, que ser heterossexual ou homossexual, é uma questão de orientação estruturada mesmo antes do nascimento do bebê, e não é uma opção, como muitas vezes se diz.


Para encerrar a nossa reflexão, deixo aqui duas frases que exprimem a importância dos desejos na vida do indivíduo: “Os desejos inconscientes do homem são o seu destino” e “O desejo é a essência da realidade”, de Sigmund Freud e Jacques Lacan respectivamente.

Ernesto Friederichs Mandelli, Psicanalista com especializações em Sexualidade e Educação Sexual. E-mail:mandelli@elo.com.br - twitter: http://twitter.com/efmandelli

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

A Clínica do Real e a epidemia do "amarelamento"

Este texto foi publicado no site http://www.ipla.com.br/index.php?id=459

Claudia Riolfi

 
Em plena época de volta às aulas, a psiquiatria inglesa da Segunda Guerra Mundial mostra soluções para professores desencorajados e desmotivados
 
Voltaram as aulas em São Paulo! Após quase 60 dias de recesso, poderíamos pintar um cenário composto por crianças saudosas e por professores descansados, renovados e cheios de amor para dar. Quanta ilusão... Os consultórios dos psicanalistas estão cheios de colegas em quem a vontade de viver é menor do que o compromisso com o seu trabalho.

Examinemos dois fragmentos de jornais que ilustram a afirmação precedente. Primeiro: “Quase 20% dos professores da rede básica de ensino do Estado de São Paulo sofre de depressão. O dado foi revelado pelo levantamento A Saúde do Professor na Rede Estadual de Ensino, feito pela Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) em parceria com o Dieese” (UOL, 05/10/2012). Segundo: “40% dos professores afastados por saúde tem depressão, aponta estudo. Pesquisa foi feita pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de SP”. (G1, 10/10/2012). É mole?

Como podemos ajudar estes colegas? Quando os interrogamos sobre a interpretação que eles dão às causas de seu adoecimento, sentam-se e afirmam que estão perdidos, que não sabem mais o que fazer. A partir do seu relato, uma conclusão se impõe: o pobre professor “amarelou”, ou, como bem diz o Houaiss, perdeu a coragem diante da situação difícil.

Quando entra em sala de aula, o professor se esquece do prazer de viver e abre mão da excitação, do rubor. Tem consciência de que ele bem que poderia buscar outros rumos para sua vida, mas não o faz. Descrente e desconfiado, prefere trilhar por um caminho pronto, o do saudosismo. Insiste na procura de um passado mítico, quando tudo era melhor. Quando falha, o resultado é a depressão.

Penso que um velho texto de Lacan ajuda a vislumbrar uma educação mais colorida. Narrando sua visita a Londres logo após as comemorações pelo término da Segunda Guerra Mundial, Lacan mostrou-se fascinado pelos ingleses que, ao contrário dos seus compatriotas, puderam, durante a guerra, não ceder de uma intrepidez que repousa “numa relação verídica com o real”.

Ao inteirar-se dos detalhes de várias experiências dos psiquiatras ingleses que, em sua avaliação, foram determinantes para que a Inglaterra pudesse ganhar a guerra, encontrou em Wilfred Bion um exemplo de pessoa que não varre o que incomoda para baixo do tapete. Em sua atividade em um hospital militar, Bion encarnou um elemento enigmático para transformar 400 soldados cuja indisciplina tinha impossibilitado a utilização no exército durante a Segunda Guerra em uma excelente tropa em marcha.

O que ele fez? Ele pôde ser, para seus subordinados, “um líder em quem sua experiência com os homens permita fixar com precisão a margem a ser dada às fraquezas deles, e que possa lhes manter os limites com sua autoridade, isto é, pelo fato de cada um saber que, uma vez assumida uma responsabilidade, ele não amarela”, relatou Lacan.

Aprendamos a lição de Bion.
 
Como podemos combater o famigerado  “amarelamento”? 

Fornecendo aos professores os meios para que, em seu fazer, se sintam autorizados a ser o que são. Para que não precisem varrer suas “fraquezas” para debaixo dos tapetes das estatísticas. Para que, frente a alunos considerados tão péssimos quanto os soldados tratados por Bion, possam colocar o saber inconsciente a seu serviço.

Precisarão disso para: 1) Fazer com que as novas gerações consigam se relacionar com o conhecimento historicamente construído; e 2) Inventar soluções apaixonantes que possam servir – aqui e agora – para os desafios encontrados. Boas aulas!
 
 
Para ler mais:
LACAN, Jacques. (1947). A psiquiatria inglesa e a guerra. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. p. 106- 126.