Ernesto Friederichs Mandelli
Resumo
Psicanaliticamente pode-se pensar
que o (a) casal/parceria se desprende do núcleo familiar, de onde se originam
seus modelos, levando em conta o desejo dos diferentes sujeitos de uma família,
de perpetuar-se no tempo através da transmissão do desejo de ter filhos,
transformado no desejo de possuir uma família, mediante vínculo de aliança. A
primeira dificuldade para a constituição do casal surge da dificuldade do mundo
psíquico de cada um dos seus membros, derivada da resolução trabalhosa,
difícil, nem sempre terminada, da separação de seus liames familiares. Este
trabalho tem como objetivo realizar uma abordagem psicanalítica da gênese na
formação e estruturação dos vínculos na terapia de casal seja heteroafetivo ou
homoafetivo. Trata-se da origem dessas conexões estabelecendo-se bases e
parâmetros de identificação de uma relação de parceria, abordando ainda as
estruturas formadas pelos tipos de vínculos e seu funcionamento, especificando-se
algumas de suas patologias e estratégias de fortalecimento da relação conjugal.
A metodologia deste trabalho foi a bibliográfica. Pode-se concluir que
construir um relacionamento fundamentado na liberdade e não no apego e
possessão é essencial para o fortalecimento do casal. Saber disso é a base para
uma relação de crescimento. Se o sujeito não tiver estrutura para aceitar o
outro de forma adequada, um afastamento é inevitável; quando a parceria
consegue manter o respeito à individualidade, estabelecendo um relacionamento
de troca, é possível que a magia do encantamento inicial nunca se esgote. Ela
se transformará, junto com as mudanças e o aprofundamento da relação.
Palavras-chave: Abordagem Psicanalítica;
Vínculos; Terapia de casal.
1 Introdução
A Psicanálise,
como sendo uma maneira de reflexão e prática, tenta entender e determinar o
modo como se opera esta díade de dois sujeitos, baseada na relação de desejos e
necessidades de cada um dos parceiros. Entra em cena para elucidar o que está
por trás dos ornamentos do fictício.
Este trabalho
visa sobretudo mostrar certos elementos que podem ser vistos durante a prática
clínica psicoterápica de casais sejam hétero ou homoafetivos de base
psicanalítica. Nele pretende-se verificar e
discutir alguns pontos característicos à dinâmica do casal, pelo qual inicia-se
uma família.
A Psicanálise é
o nome de uma prática clínica que se refere a análise de pacientes adultos ou
crianças, ou seja, daqueles “pacientes ditos individuais”, e que de uma prática
metapsicológica se propõe a uma teorização das particularidades
dessa prática clínica. A partir da década de 40, o saber tem sido aplicado a
outros tipos de contextos: grupos, famílias e casais. Essas duas últimas
categorias são designadas pelo nome de pacientes de vínculo.
Sob o viés
psicanalítico o termo casal (matrimonial) qualifica uma estrutura
vincular entre duas pessoas, a partir de um momento dado, quando estabelece um
compromisso de fazer parte dela em toda a sua amplitude, possam cumpri-lo ou
não.
O tema do casal
tem inspirado poetas, escritores, cineastas, e alimenta conversas da vida
cotidiana, sendo material para inumeráveis consultórios de psicoterapia, sejam
de base analítica ou de base psicológica. Fazer a transição do estado de
enamoramento para o estado de amor não é tarefa fácil para o sujeito. É
necessário um intrincado e complexo trabalho mental, o qual será abordado nas
próximas páginas.
Este trabalho
tem como objetivo realizar uma abordagem psicanalítica da gênese na formação e
estruturação dos vínculos na terapia de casal.
O tipo de pesquisa realizado (....) foi uma pesquisa
bibliográfica, com abordagem qualitativa e descritiva, no qual foi realizada
uma consulta a livros, dissertações e a artigos científicos
selecionados através de busca nas seguintes base de dados (livros, sites de
banco de dados, etc.) “Biblioteca da FGV”, “Google acadêmico” e “Scielo”.
2 A origem dos
vínculos
Ao longo dos
100 anos de existência da psicanálise, o surgimento de novas práticas clínicas
foi sempre resultado da necessidade de resolver problemas que as modalidades
terapêuticas tradicionais não permitiam abordar nem resolver. A prática
analítica individual se caracteriza pela análise das representações e dos
afetos governados pela lógica do princípio de prazer e dos derivados dos
vestígios e inscrições das experiências precoces, aquelas mesmas que imprimiram
suas marcas no aparelho psíquico e contribuíram para a construção do mundo
interno, a partir da ausência do outro, quer dizer dos pais das crianças.
A partir dos anos 40, os
analistas começaram, pouco a pouco, a acompanhar os pais das crianças e dos
pacientes regressivos que tinham em tratamento, aqueles a cujo respeito se
dizia que não se podia contar com seus Eu. Essas entrevistas transformaram-se
depois numa verdadeira prática da terapia analítica familiar, o que permitiu
rever sob novas perspectivas a relação com o Outro e com os outros, e
desenvolver novas considerações metapsicológicas. (Berenstein, 2001. p. 186).
Ao longo da
literatura psicanalítica, encontra-se o termo vínculo, de várias formas e com
diferentes significados. Sempre se torna necessário juntar-lhe outra palavra,
que possa ampliar a descrição de fenômeno para o qual está sendo utilizando. Na
clínica psicanalítica este termo também é usado tanto para descrever a relação
com o analista, como para as relações com os objetos internos. Bastante comum
encontrar expressões como vínculo com o objeto interno, vínculo com o objeto
externo, vínculo familiar, vínculo transferencial, relação de objeto interno,
relação de objeto externo, e várias outras.
Para tornar este trabalho mais claro e objetivo se faz mister conceituar os
termos vínculo e relação.
Ambos os
conceitos, vínculo e relação, recobrem uma área de problemas da teoria, que
abrangem tanto a noção de ego e de objeto, como a difícil conceitualização dos
limites entre o mundo interno e o externo, ou, em outra versão, entre o
intra-subjetivo e o intersubjetivo. Um nível maior de complexidade se
acrescentará, se incluirmos o nível do transubjetivo, mediante a inscrição
inconsciente dos modelos socioculturais.
Estabelecemos uma diferença entre uma relação objetal, como formação
intra-subjetiva, intraterritorial em relação ao aparelho psíquico, e uma
relação entre um Eu e outro Eu, características de extraterritorialidade, à
qual chamamos de vínculo ou relação intersubjetiva. Chamaremos de relação
transubjetiva a que é estabelecida entre um sujeito e o macrocontexto social.
Como ademais a incluímos em uma estrutura emocional-relacional, dentro de um
espaço que a contém, a chamamos de estrutura vincular complexa. Este enfoque nos
permite reconhecer, o aparelho psíquico, diferentes espaços mentais (Puget
& Berenstein, 1994, p. 17).
O termo
vínculo, em português (Dicionário Aurélio Eletrônico 1999), se origina do latim
e significa: tudo que ata, liga ou aperta; relação, subordinação e no sentido
figurado ligação moral. A definição sugere a ideia de relação estável. Olhando
para o viés do casal, este mesmo conceito pode ser utilizado com segurança,
pois toda relação matrimonial parece estar associada à fantasia de ser estável
no tempo e no espaço. Para este trabalho será usado o conceito dado por Bion,
designando como uma experiência emocional.
Esse termo designa uma
experiência emocional na qual duas pessoas, ou duas partes da mesma pessoa,
estão relacionadas uma com a outra. Bion considera que pelo menos três emoções
básicas são fatores sempre presentes em qualquer vínculo: as de amor(L),
ódio(H) e conhecimento(K). Nos estados psicóticos, há um permanente ataque a
todo vínculo com o analista: dos vínculos entre as partes diferentes do próprio
paciente; e um ataque ao conhecimento das verdades penosas que estão contidas
tanto na realidade externa como interna ( Zimerman, 1995, p. 67).
Durante o
trabalho clínico a Psicanálise busca reconstruir a gênese psicossexual do
individuo. Fundamenta-se a clínica na análise, sobre a dinâmica, a economia e a
tópica intrapsíquicas. Durante este mesmo trabalho clínico desenvolvido ao
longo da historia da Psicanálise, os estudiosos baseados nos trabalhos de
Melaine Klein e Wilfred Bion, têm feito importantes contribuições como a
postulação da "transmissão do psiquismo entre gerações", diferençando
o que é da ordem da transmissão "intergeracional" e da "transgeracional".
2.1 Enamoramento
O início de um
relacionamento é uma época singular. Apesar de o mundo continuar girando na
mesma velocidade, para os parceiros apaixonados, as horas voam quando os
dois estão juntos e duram uma eternidade quando estão separados. A rotina é
dominada pelo sentimento da espera de um novo encontro.
Durante a
chamada fase de encantamento, o casal está mais aberto e livre por não carregar
a bagagem dos referenciais. Ambas as partes se expressam de maneira mais
autêntica. O sujeito sente-se leve por estar sendo desejado apenas por aquilo
que ele é.
O amor
infantil é ilimitado; exige a posse exclusiva, não se contenta com menos do que
tudo. Possui, porém, uma segunda característica; não tem, na realidade,
objetivo, sendo incapaz de obter satisfação completa, e, principalmente por
isso, está condenado a acabar em desapontamento (Freud, 1987, p. 21).
Um rosto, ou
uma voz, ou uma maneira de olhar, ou um jeito da mão. O corpo estremece. É a
paixão. O sujeito está apaixonado. Tudo acontece num exato momento. No início
da relação deseja-se somente uma coisa: atuar as paixões. E atuá-las num clima
de perenidade e alucinação primitiva, próprias do inconsciente.
Um só corpo,
uma só mente, um alucinar junto para a satisfação dos desejos incestuosos. Um(a)
é o pai que ela deseja apaixonada e ardentemente. O(A) outro(a\) é a mãe
exclusiva pronta para satisfazer-lhe todas as necessidades e desejos. Nada de
conversar, nada de reprimir, nada de simbolizar os afetos dominadores e
ardentes. Somente a vivência das paixões.
Seja qual for o
conteúdo da motivação para a escolha, seja ele mais primitivo ou mais atual,
ocorre sempre um cruzamento no momento do encontro. Cruzamento este entre o
passado e o presente de ambos envolvidos, e então se estabelece um ponto, uma
unidade indivisível, um núcleo de vivência mútua.
Esta vivência,
este núcleo que à primeira vista constitui-se de elementos irreconhecíveis, mas
cujo produto final retira da percepção conflitos e angústias, remete os
parceiros a um estado ilusório de completude (narcísica) (Lamanno, 1993).
Sob o viés
psicanalítico, as afinidades encontradas entre dois sujeitos são ecos do
passado e que reproduzem os primeiros amores. O que está sendo evocado nestes
encontros é o conhecimento e o desejo de infância, isto é, a recuperação de
versões anteriores do enamoramento do bebê pela sua mãe.
Da Psicanálise
recebe-se a ideia de que todos buscam retornar a um estado ideal, livre de
conflitos, separações, perdas, lutos, do tempo e da morte, exatamente igual a
quando o bebê estava fusionado com a mãe. No inconsciente são guardadas
sensações dessa vivência e das relações experimentadas com os pais, irmãos e
com todos com os quais já houve um encontro ao longo da jornada de desenvolvimento.
O início do vínculo
casal, fica registrado na consciência a partir do enamoramento (ou
apaixonamento). Este vínculo torna-se um marco no processo que o ser humano
realiza para superar a dor mental surgida no processo de separação ocorrida no
nascimento e reforçada no momento da castração. Enamorar-se é ter acesso
novamente à ilusão original representada pelo desejo de retornar a um estado
ideal, livre de conflitos, um estado onde não exista a separação de corpos nem
de indivíduos.
Em algum
momento a vida, acontece que o cruzar com alguém, faz surgir esta sensação de
completude novamente. É o enamoramento. Relação esta que o outro representará
como a ilusão de readquirir o paraíso perdido. Se os parceiros forem saudáveis
emocionalmente, entre encontros e desencontros das ilusões, irá emergir um
relacionamento sólido e duradouro.
2.2 Vínculo Casal (Matrimonial)
Reconhece-se a
tendência do ser humano a organizar sua vida vincular em estruturas, que vão de
uma menor a uma maior estabilidade, segundo os psicanalistas Puget e Berenstein
(1994). Para os mesmos autores os parceiros possuem elementos definitórios, que
permitem referir-se a ele como uma unidade ou estrutura com alto grau de
especificidade. A fim de diferenciar a relação diádica matrimonial de outras
não matrimoniais, necessário se faz, definir parâmetros:
Toda
pessoa disposta a constituir um
vínculo de casal sabe, consciente ou inconscientemente, a partir dos modelos socioculturais, que isto implica certos
elementos constantes e pressupostos que dão sentido ao campo do permitido,
oposto ao do proibido. Por exemplo, o modelo sociocultural prescrito para
casais inclui relações sexuais, as tenham ou não. Os parâmetros definitórios,
embora providos a partir do mundo sociocultural, possuem registros no mundo
psíquico, proveniente do infantil, onde se incorpora o modelo objeto casal,
construção imaginaria constituída por três representações: uma proveniente da
inermidade do sujeito infantil, em relação ao objeto reparador, estrutura relacionada
originária; esta estrutura corresponde ao narcisismo primário, a denominamos de
Objeto Único e dela ocuparemos pormenorizadamente mais adiante. Outra é a
representação de um papai e uma mamãe, dos quais o bebê tem uma posição de
exclusão. A terceira, uma representação social, é a de um contexto
extrafamiliar, que inclui papai, mamãe e bebê, compondo um código e uma serie
de sinais, que se referem à organização da estrutura familiar. (Puget & Berenstein,
1994, p. 6).
A estabilidade
pode ser descrita de duas diferentes maneiras: como vida, com o predomínio de
Eros, onde o ritmo de estabilidade torna-se um sustentáculo para o crescimento
e a abordagem de novas situações; ou como morte, através da predominância de
Tanatos, que se caracterizará como presença marcante de tédio e aborrecimento
na vida do casal.
2.3 Os vínculos
Os parceiros
construirão e manterão uma representação do vínculo, a partir de três
modalidades de contado com o outro, as quais, por pressuposto teórico, todo ser
humano constrói desde seu nascimento. São chamados de nível originário, nível
fantasmático e modalidade ideativa.
O casal
então é, como dissemos na definição, uma estrutura vincular entre duas pessoas,
isto é, uma relação intersubjetiva estável entre um Eu e outro Eu, onde tem
cabimento o mundo intra-subjetivo de cada um, e onde o vínculo, por sua vez,
ocupa uma área diferenciada da estrutura objeta (Puget & Berenstein, 1994.
p. 18).
O nível
originário é o contato que se estabelece com o outro antes da capacitação da
fala, é, portanto, incapaz de ser traduzido em comunicação verbalizada. Sem
esta presença não seria possível o sustentar de nenhum vínculo. Este contato
primariamente estabelecido através das sensações com contato corporal do bebê
com o corpo da mãe (Outro primordial), inscrito indelevelmente no aparelho
psíquico do sujeito e que se expressa através de um composto de
imagem-emoção-sentimento evocado quando o Eu olha, ouve ou sente a presença de
um outro externo. É a partir deste nível o Eu imagina a si próprio relacionado
com um outro, sem solução de continuidade, fundido e desconhecendo os limites
próprios e os dos outros.
O Nível
fantasmático é uma modalidade vincular quando o Eu reconhece a existência de um
outro Eu. A presença deste outro é marcada por um desejo do que quer que o
outro seja. É uma construção baseada nas fantasias.
A modalidade
ideativa ocorre a partir das palavras intercambiadas entre os parceiros, as quais
estarão sujeitas a serem bem-entendidas ou mal-entendidas.
2.3.1 Vínculo
adesivo
Este vínculo também
chamado de narcisista dual onde predominam fantasias e emoções relacionadas com
o medo de ficar isolado diante da ameaça de separação ou de perda do outro. Sua
expressão é realizada através da fantasia de contato pele a pele, como se
formassem apenas uma. Ocorre uma sensação predominante de solidão objetal, da
qual se defenderão criando um vínculo dual para confirmar sua crença de uma
disponibilidade permanente do outro.
Toda separação
é registrada como falta de contato, evocando vivências de desespero ocorridas
na primeira infância e registradas como inexistentes, ficando a mercê de um
mundo interno hostil e deteriorado.
Com a
finalidade de evitar estas sensações recorrem à censura ou a algum tipo de
atuação que tendam a idealizar quantitativamente os momentos passados
fisicamente juntos ou em contato permanente, por intermédio de ligações
telefônicas ou mesmo com intuições da necessidade de um e de outro. Neste
vínculo um Eu fará o papel de aderido e o outro, de buscador de aderência.
2.3.2 Vínculo
de posse
Como no vínculo
anterior, neste também ocorre a hegemonia do contato corporal e concreto entre
os Eu, a fim de diminuir a distância dos dois sujeitos que compõem o vínculo.
Os papéis representados são o do possuído e o do possessivo, e eles são
realizados com o objetivo de diminuir as angústias do reconhecimento das diferenças.
Neste vínculo
possuído-possessivo, os controles visual e auditivo, são os meios usados para
anular o afastamento. Esta circunstância é o resultado da persistência
de uma modalidade de enamoramento, chamada amor à primeira vista, onde a imagem
visual é priorizada para fugir da sensação de perda. Igualmente, é o produto
de intensos sentimentos de perseguição dessa forma controlados, e mostrando
com isto a não solução da posição esquizoparanóide.
2.3.3 Vínculo de
controle
Este vínculo
parte do princípio pelo qual os parceiros devem ocupar os mesmos lugares,
embora tolere uma maior diferenciação e discriminação entre eles. As angústias
se originam da castração e despedaçamento experimentados pelo Eu. Os papéis desempenhados
são o do controlado e o do controlador.
As angústias
precisam ser controladas através da existência de uma pulsão de domínio,
exercida com o fim de garantir a saída da solidão ou do desamparo, através de
uma ação direta de manipulação do parceiro a fim de garantir o amparo por parte
dele. Isto pode ocorrer de várias formas, o intercambio econômico, por exemplo,
e o das relações sexuais, controlando o próprio prazer e o do outro.
2.3.4 Vínculo
amoroso
Os papéis
desempenhados pelos participantes aqui são o de ser amado e o de amar. Os
afetos que se fazem presente são originados pela resolução adequada do complexo
de Édipo e também, da fase oral, da qual emana a capacidade de gratidão, base
para o amor, ternura e carinho. Nele percebe-se interesse pelo outro e a
existência da reciprocidade entre os sujeitos que compõem o vínculo.
A seguir serão
apresentadas as modalidades que os vínculos poderão estruturar-se. Pode-se, a
partir da compreensão da tipologia, explicar tanto os observáveis como sua
significação inconsciente. Será definido em cada estrutura, o conector, sua
modalidade característica e sua qualidade determinante do tipo de interação
entre os dois sujeitos.
Conector é uma
condição necessária para explicar porque dois sujeitos conseguem manter de
maneira estável uma relação de casal/parceria, e entender aquilo que os une, assim
como, depois de seu fracasso, aquilo que os separa.
O grau mínimo
de posições e de ligações para que seja possível a existência de um
casal/parceria será denominada estrutura zero. Ela permitira estipular as
posições e suas qualidades de parceiros e o conector que atua como o terceiro
elemento vinculante (Puget & Berenstein, 1994, p. 20).
2.4 Estrutura Um: Dual
Nesta estrutura
o vínculo tipo fusão predomina através da idealização mútua de algum
componente. Existe uma sensação de exclusividade, os sujeitos se bastam, isto
é, são a fonte de toda a satisfação.
Pode
existir uma relação de simetria, à qual chamaremos de gemelaridade, ou de
assimetria estável, que chamaremos de complementaridade, com base no conceito
de vínculo, com o modelo de Objeto Único. Cada uma delas poderá dar lugar à
constituição do casal, a partir da modalidade fundante do enamoramento, seja qual
for o seu destino (Puget e Berenstein, 1994, p. 34).
Na relação de
simetria, denominada de gemelaridade, a junção do casal é mantida através
do processo de idealização. Os participantes se percebem com uma pequena
quantidade de diferenças. Quando esta simetria apoia-se em Eros, o princípio do
prazer, os sujeitos buscam a fusão por desejarem ser um só. Como a representação de cada componente do vínculo dá-se neste nível de erotização, tem-se o desejo de
um ser a imagem refletida (especular) do outro, daí o conceito de gêmeos
(gemelaridade).
Por vez quando
o tipo gemelaridade se apoia em Tanatos, seu símbolo é um permanente estrado de
frustração. A relação está dominada por funcionamento narcisista, mantidas as
fantasias de fusão e dependência máxima, porém agora produtoras de mal-estar.
Cada um dos participantes está ligado (conectado) com seu objeto imaginado,
buscando manter-se afastado de tudo aquilo que venha inutilizar sua ilusão de
posse.
Neste enleio
circulam afetos de desprezo e críticas, mas mesmo assim ficam presos um ao
outro, para poderem demonstrar mutuamente suas falhas. Este fato atende a uma
urgência compulsiva de apontar qualquer traço do outro que seja diferente do
objeto imaginado. Existe uma dependência adesiva, isto é, nem juntos, nem
separados, mas sempre presentes um para o outro.
Complementaridade
enlouquecedora é uma modalidade de vínculo assimétrico estável, e pode assumir,
total ou parcialmente as seguintes características: os afetos são da ordem da
violência, irritação e hostilidade; as relações sexuais são de nível
pré-genital; a tendência monogâmica não é conflitiva; a cotidianidade é
satisfatória; o projeto vital está sujeito a desacordos ou, ao contrário, a uma
submissão total, com redução do projeto de dois ao de um só. Neste elo pode ser encontrado em maior ou menor grau as
seguintes disfunções:
a)
Disfunção
temporal, que tende a evitar qualquer tipo de mudança no cotidiano, nas
relações sexuais, no projeto vital, pois costumam confundir imobilidade com estabilidade;
b) Disfunção
semântica (mudanças ou translações sofridas, no tempo e no espaço, pela significação das palavras), ocasionada pela imposição de uma
única significação das palavras usadas na comunicação dos sujeitos
participantes do vínculo. Isto é conseguido por intermédio da violência,
ataques ao pensamento e confusão, motivados pela impossibilidade de aceitar o
diferente. As mensagens trocadas pelos participantes costumam ser
contraditórias, produzindo uma relação baseada no enlouquecimento e confusão.
2.5 Estrutura Dois: Terceiridade Limitada
Nesta estrutura
ocorre a presença de um terceiro, que ocupa um lugar de excluído em diferentes
posições. A dualidade indiscriminada da estrutura anterior é provocadora de uma
sensação de angústia muito grande que é buscada amenizar pela presença de um
terceiro, um filho, por exemplo. O seu funcionamento ocorre em modalidades
diferentes.
2.5.1 Funcionamento
pervertedor-pervertido
O que o caracteriza
é a predominância da transgressão de valores. Está baseado em um certo tipo de
indiscriminação, em intercâmbios sádicos e súbitas mudanças que ocorrem entre
os componentes do vínculo. É um funcionamento onde o corriqueiro é transgredir
tudo aquilo que sejam regras ou que sugiram normas.
Neste
funcionamento a sexualidade é pré-genital, tortuosa e insatisfatória. O
cotidiano é representado por súbitos desencontros e encontros idealizados. O
projeto vital, em seu conteúdo manifesto, muitas vezes é a separação, mas, em
seu conteúdo latente, inclui a possibilidade de conservá-lo.
O terceiro
ocupa permanentemente um lugar de excluído. Sua função é o de ser impotente
testemunha ocular de um quadro de maus-tratos e transgressões, ou testemunhar
fascinado uma cena amorosa entre os parceiros. Este elemento pode ser presente
ou ser um produto da imaginação, mas a cena sempre é representada para outro
(s). O interno e o íntimo são exibidos e os de fora e externo são escondidos. O
segredo é público.
2.5.2 Funcionamento
enciumante-ciumento
A peculiaridade
é que tem uma aproximação muito grande com o perverso no que se refere a
erotização de uma situação a três, na qual um dos dois parceiros está situado
no excluído e pendente da relação do outro, fusionado com um terceiro,
O terceiro (Eu
externo) tem o imprescindível papel, de compor um triângulo onde é criada a
cena de uma relação maravilhosa entre um dos parceiros e ele, cuja maior fonte
de prazer será a exclusão do terceiro Eu. Este prazer não é genuíno, mas um
prazer associado ao sofrimento do outro marcado pelo ciúme.
2.5.3 Funcionamento tipo hiperdiscriminação
A
particularidade é existir por parte dos parceiros uma grande dificuldade de
compartilhar. É uma defesa contra um vínculo dependente, o qual provoca uma
vivência aterrorizadora. Cada parceiro, resultante de angústias paranoides, tem
a sensação que esta sendo despojado ou devorado pelo outro, e ao qual é
imprescindível se mostrar diferente do que ele promovendo constantemente
desacordos e manifestos de independência.
Para que os
dois sujeitos possam sentir-se tranquilizados dentro do isolamento buscado,
ocorre uma hipertrofia de alguns parâmetros a fim de estabelecer uma conexão. O
cotidiano estará cheio de obstáculos, pois os gostos, horários e formas de
impor ordem ou de conceber a organização espaço-temporal da vida serão
divergentes.
O projeto vital
será resultado da superposição de dois projetos individuais que, algumas vezes,
podem coincidir, embora sempre apresentarão alguma marca que informa o
diferente. No caso do terceiro (o filho), ele é registrado mentalmente como
filho de cada um. Ele é imaginado por cada um dos parceiros com aliado diante
do outro, não para despertar ciúmes, mas para afirmar a independência.
A tendência
monogâmica não é tolerável no momento que surge a angústia devida ao
compartilhar e a seus componentes de fusão. As relações de amantes são
toleradas para confirmar a autonomia, sendo usado um sistema defensivo chamado
racionalização, segundo o qual é possível ter várias relações simultâneas.
As relações
sexuais são escassas e geralmente insatisfatórias. No nível das fantasias, as
relações sexuais, não são resultados do desejo de um pelo outro, mas de uma
relação registrada como masturbatória compartilhada. O outro é utilizado como
um objeto necessário, mas não fazendo parte de um corpo inteiro ou de um objeto
amoroso.
O Objeto Único
está carregado por uma valência negativa, ameaçadora e frustrante. Guarda
semelhanças com o funcionamento narcisista da gemelaridade tanática.
2.5.4 Funcionamento inibidor-inibido
Na categoria
estarão presentes, com menor intensidade, todos os mecanismos anteriormente
descritos, o que modificará a sua qualidade. Nele são reconhecidas tanto as
inibições, como o mal-estar, fazendo com que algumas dificuldades, que podem
ser sanadas pelo processo de psicanálise, encontrem-se presentes em todos os
parâmetros.
Os sujeitos
envolvidos não costumam falar em separação, pois sentem que se amam, embora
lhes seja difícil encontrar sozinhos novas perspectivas para uma situação
sofrida.
2.6 Estrutura Três: Terceiridade Ampla
Os parceiros
possuem a capacidade de representação de si mesmos. Com isto tem-se um processo
sinergético, onde o resultado se torna maior que a soma dos sujeitos.
Nesta
estrutura vincular existem duas mentes discriminadas. Ambas possuem uma
representação interna do outro, configurada para que não seja preciso
referir-se permanentemente ao outro, para se sentir incluído. A linguagem
adquire seu sentido paradigmático de código e valor de comunicação. Está aberta
a possibilidade de desfazer as incógnitas ou os mal-entendidos criados por uma
captação exata da existência de um outro diferente ego, sem o despertar de
angústia insuportável (Puget & Berenstein, 1994, p. 47).
O compartilhar
adquire seu valor mais completo, o de trocar significados diferentes a respeito
do comum, construindo um código e podendo realizar uma série de recortes
compartilhados sem medo de perder o vínculo. Os desacordos ou diferenças se
tornarão estímulos para a colocação em andamento de um processo no qual surgirá
a possibilidade de ampliação e fortalecimento do vínculo, que será resultado da
articulação das diferenças, o que popularmente é chamado de “discutir a relação”.
O projeto vital
compartilhado inclui o aparecimento de um terceiro, admite sentimento de
exclusão, mas não possui o caráter abundante e exagerado dos vínculos
anteriormente descritos. As relações sexuais permitirão uma elaboração genital
da relação de Objeto Único que levará ao processo de passagem para o Objeto
Unificado. As relações sexuais mesmo não seguindo um curso sempre igual, alternam-se
com períodos nos quais podem ou não corresponder ao mesmo nível simétrico de
desejo dos parceiros.
3 Resultados e
Discussões
Transmitem-se
as vivências psíquicas dos que antecederam o individuo geracionalmente, a
partir, evidentemente, dos pais. O "intergeracional" é aquilo que foi
transmitido devidamente simbolizado e representado, de modo que pode ser
retomado, reelaborado ao nível de grupo familiar e vincular, individualmente. O
"transgeracional" é aquilo que foi transferido sem ter sido
devidamente representado, simbolizado, impossibilitando sua reelaboração
posterior tanto pela família quanto pelo indivíduo. São comunicações como
imagens em "negativo". Esse último tipo é especialmente
característico de famílias onde surgem psicóticos (Prado, 2000). No espaço
intrasubjetivo o foco é posto na distribuição do mundo interno, nas
constelações auto engendradas das relações do sujeito com os objetos, em um
tipo de espacialidade própria, onde predominam as representações e os afetos
ligados a elas. Nele acontece uma relação chamada de intrasubjetiva que conterá
os registros no mundo interno, dos objetos com os quais o Eu mantém diferentes
tipos de ligação.
Berenstein
(2001) designa assim uma estrutura inconsciente que, ligando dois ou mais
sujeitos, instaura entre eles uma relação de presença ao criar uma investidura
específica que os constitui como sujeitos do vínculo. Nessa situação
encontram-se dois mecanismos: a identificação considerada como o desejo de ser
como o outro enquanto origem de uma oferta identificadora; a imposição
considerada como o dever de ser como este outro que imprime uma marca inédita.
Na relação
amorosa, fica configurado um contexto compartilhado, no qual o mesmo Eu é
objeto de desejo e foco de desejo. Durante o enamoramento, as exigências
contextuais estão focadas em bases diferentes dos períodos seguintes da relação.
Na vida do casal, a antecipação do futuro e a inclusão da temporalidade na
estrutura compartilhada, é o resultado do projeto vital.
É formulado com base nas
experiências realizadas e em função da avaliação dada pelo princípio da
realidade. Inclui repetições de fontes de prazer, bem como condições ligadas ao
desconhecido. Partem de uma suposição, isto é, de que o sistema de opções entre
os membros do casal irá levá-los a conservar e criar uma ordem de
acontecimentos cada vê mais complexos e de maior crescimento mental (Puget
& Berenstein, 1994, p. 143).
Nos casais/parcerias
cuja evolução inclui o reconhecimento do outro, como objeto diferente, a busca
da fonte de desejo, leva implicitamente, à aceitação da necessidade de utilizar
indicadores e signos adequados. Para o estabelecimento de uma parceria, é imprescindível
que ambos tenham a capacidade de diversificar os signos, o que em geral se
produz na passagem da etapa do enamoramento para a relação de objeto-objetiva.
O germe do mal-entendido é não poder realizar essa função significante, o que
remete a uma angústia confusional primitiva.
Desde o momento
da escolha baseada em aspectos conscientes e inconscientes, os parceiros
sistematizam um conjunto de regras com as quais estruturam uma linguagem conhecida
e entendida entre eles. O idioma singular é constituído por termos corporais e
intercâmbios de significados, códigos e palavras. A diferença entre a
representação de palavra e a representação corporal é forçada, pois em todo
vínculo com tendência ao crescimento, a palavra intercambiada se apoia na
representação corporal; pode-se afirmar que o corpo dos que se amam falam entre si.
4 Conclusão
Ter que lidar
com o fato de serem dois sujeitos distintos sempre é complicado. Quando se está
apaixonado, o outro é o bem total, e o Eu nem é digno de tanta perfeição. Esse
sentimento vem de quando o bebê está faminto e se debate pelos cuidados da mãe
ou sua sucessora atendê-lo cessando a fome e o desespero; isto deixa uma
sensação de enorme prazer e gratidão com a mãe, até a seguinte mamada, quando
tudo se repetirá.
É essencial
reconhecer as distinções entre os componentes do vínculo. A diferença é
trabalhosa, mas é muito mais instigante. Um dos parceiros que tem suas
experiências profissionais, seus relacionamentos de amizade, suas opiniões, tem
muito mais a oferecer no casamento do que aquela que só tem olhos para o outro.
Quem dá muito tem a tendência de fazer cobrança intensa. Um sujeito que vibra
com as próprias coisas e um outro que tem diversas fontes de satisfação têm
possibilidades de tornar seu vínculo inovador. Porque diferentes são todos e
também são sedentos de amor.
Construir um
relacionamento fundamentado na liberdade e não no apego e possessão é essencial
para o fortalecimento do vínculo. Saber disso é a base para uma relação de
crescimento. Envolvidos pela magia do enamoramento, muitas pessoas acabam
esbarrando no que Freud denominou "amor narcisista". Facilmente o sujeito
cai na armadilha do "amor como reprodução". Este fenômeno é provocado
pela projeção de um indivíduo no outro. É amar no outro a própria imagem, ou as
características que gostaria de ter.
Este comportamento
diminui as chances de a pessoa permanecer no estado amoroso, pois mais dia,
menos dia, acorda e percebe a ilusão criada por sua própria fantasia. É o
instante em que a cortina cai e o outro é visto sem as vendas de quem está
tomado pela poção do amor.
Para construir
uma relação são necessárias três etapas que devem ser vencidas; cada uma dela
exige muitas vezes um trabalho psíquico com o qual os componentes do vínculo
não foram aparelhados nas suas fases primordiais do seu desenvolvimento emocional.
a) Enamoramento
- quando o outro é tudo! É uma fase muito útil para casar-se;
b) Descoberta
- quando se descobre que a outra pessoa não é exatamente aquilo que se esperava.
Esperanças e alegrias coexistem com as decepções e tristezas;
c) Maturidade
- quando se percebe o valor do outro como ele é e não como poderia ser.
Tolerância e companheirismo.
O tempo de
duração do estado prazeroso de descoberta, só depende da forma como se vai
lidar com os aspectos reais, menos românticos do outro. O mar de rosas do
primeiro momento se revela um oceano complexo, cheio de inseguranças, possíveis
neuroses e dúvidas.
Se o sujeito
não tiver estrutura para aceitar o outro de forma adequada, um afastamento é
inevitável; quando o casal consegue manter o respeito à individualidade, estabelecendo
um relacionamento de troca, é possível que a magia do encantamento inicial
nunca se esgote. Ela se transformará, junto com as mudanças e o aprofundamento
da relação.
Referências
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