Parte deste texto foi publicado no site Administradores.com.br em 11.09.2014 com o título 'Para administrar na pós-modernidade é necessário mudar as "verdades" estabelecidas'.
Estudando
Psicanálise através da leitura do livro “Psicanálise a clínica do Real” me
deparei com uma colocação da Psicanalista Angelina Harari que despertou o meu lado Administrador e do professor de Administração.
Eis o trecho motivador desta reflexão: "O analista do século XXI deve agir
nas instituições tendo em mente que o laço social que une a sociedade hoje em
dia é o amor: chefes viram amigos, relações de trabalho se tornam mais intimas,
a hierarquização está cada vez mais imperceptível, os papéis dentro das
instituições, outrora predefinidos e sem 'zonas cinza', agora se confundem. Nas
instituições públicas, a situação torna-se ainda mais delicada pelo fato de que
as leis e regras impostas travam sua atuação, porém não as impossibilitam”.
Em
primeiro lugar, e isto é importante para
a compreensão destas reflexões, apontar como a Administração e a Psicanálise entraram
em sintonia na minha vida. Nos anos 90, enquanto consultor de organizações como
Banco Central, Petrobrás, Varig, BRB, Grupo Rhodia, várias TELES, na área que
hoje é conhecida como Mudança Organizacional, sentia que precisava de mais informações/conhecimentos
que transcendessem o que a ciência da Administração me assegurava. Durante esta
busca, encontrei a Psicanálise que além de instrumentalizar me capturou,
transformando um Administrador em um Psicanalista Clínico.
Enquanto
professor de matérias no curso de Administração de Empresas em duas
instituições, sempre buscava levar os alunos a terem um olhar além das técnicas
administrativas. Queria que vissem o contexto no qual a organização estava
inserida, as diferentes culturas que influenciavam os processos e também o “Sujeito”
(termo psicanalítico) e não apenas as “pessoas”, os clientes, os trabalhadores,
os fornecedores, etc., que lhes eram apresentadas através de abordagens psicológicas
baseadas na visão cognitivo-comportamental.
Faz
algum tempo que vários autores afirmam que o grande diferencial competitivo que
as organizações possuem hoje é “as pessoas”, pois, segundo eles, são elas que
fazem a diferença. Para estudar e depois lidar com as pessoas o foco
psicológico adotado nos cursos de Administração é a Teoria Comportamental, isto
é, uma visão cognitivo-comportamental do indivíduo. É através dela que se
constrói toda uma base filosófica de trabalho para o Administrador. As percepções
dos Administradores para o comportamento humano relacionado à liderança,
hierarquia, tomada de decisão, motivação, negociação, vendas, marketing, aos
processos, eficiência, eficácia, etc., é feita através desta teoria construída
no final da metade do século passado.
Porém o
mundo mudou muito nos últimos anos, vivemos o que muitos cientistas sociais
chamam de ‘pós-modernidade’. As vicissitudes e características desta época são
muito bem apresentadas no livro “O Mal-Estar da Pós-modernidade” de Zygmunt Bauman.
Esta época se apresenta estruturada, segundo a visão psicanalítica, em novos e
fundamentais paradigmas muito diferentes dos de um passado recente. Diante de
um mundo em mudanças rápidas e imprevisíveis, o Administrador precisa saber
agir frente àquilo que não compreende, e isto começa pelo planejar, organizar,
dirigir e controlar, as funções básicas de todos os profissionais da
Administração.
A
principal característica deste tempo é a queda da figura de autoridade masculina
representada simbolicamente pelo pai. A configuração das novas famílias
contribui para que esta figura seja cada vez mais ausente da educação dos
filhos. Os efeitos disto se espalham por todas as outras figuras de autoridade
masculina como o padre, o pastor, o juiz, o politico, e como não poderia deixar
de ser com a figura do chefe dentro das organizações. Como consequência vivemos
em um mundo onde cada vez mais a comunicação é feita através de monólogos
articulados e não mais de diálogos, se caracteriza pela quebra das linhas de
obediência.
Analisando
as relações humanas (laços sociais) podemos perceber que antigamente elas eram
normatizadas por padrões estáveis, eram hierarquizadas, estabeleciam o que era
certo e o que era errado e todas as pessoas sabiam quais eram seus lugares e o que
elas eram dentro das organizações. No tempo de hoje vive-se uma flexibilidade
maior e menor padronização, a subjetividade torna as situações mais afetivas do
que racionais, é necessário que os laços sociais tenham mais o jeito de pactos
do que códigos de ética, pois o mundo atual não tem mais uma representação de
disciplina.
Os
laços sociais (relações humanas) deixaram de ter padrões fixos e se tornaram
mais diretos, são o que se chama de “rede” e têm múltiplos padrões, mas o que
os caracteriza são a intensidade maior e a maior facilidade de rupturas, como
diz o sociólogo polonês Zygmunt Bauman,
as relações são liquidas. Infelizmente a grande maioria das organizações e os
lideres organizacionais não estão preparados para atuar dentro deste novo
cenário. Os laços sociais deixaram de ser verticalizados para serem
horizontalizados.
Já os
princípios organizacionais como missão, visão, valores e códigos de ética cada
vez tem menos aderência por parte dos integrantes das organizações. Eles são genéricos,
usam termos padronizados e soam como falsidades para muitos empregados cuja
identidade tem a ausência de ideais, pois já não se “morre pela pátria” e o “vestir
a camisa” da empresa sempre é relativo. Vivemos em um mundo com cada vez menos
ideais coletivos. E como as empresas lidam com isto? A grande maioria lida de
forma errônea, pois usam velhos remédios, ditados pela Teoria Comportamental,
para sintomas novos, como nos diz Angelina Harari. As empresas precisam
aprender a falar a linguagem dos desejos em detrimento da linguagem das
necessidades, pois esta ultima fala de um passado, enquanto a primeira fala em
histórias de superação.
Em uma
entrevista recente para um grande jornal de circulação nacional, o psicanalista
Jorge Forbes, afirma que as empresas precisam ir para o divã da Psicanálise,
pois ela, a Psicanálise, é uma excelente ferramenta para que os Administradores
saibam como se posicionar e atuar nestes tempos que vivemos e trabalhamos.
É preciso
que o Administrador deixe para trás os enfoques administrativos baseados em um
mundo uno, hierárquico e vertical com seus respectivos axiomas baseados na
teoria defendida por Russell & Whitehead que se funda em uma verdade
garantida e não mentirosa, para princípios baseados na teoria de Kurt Gödel , que mostra que a “verdade’ sempre dependerá
da base como desenvolvemos os pensamentos, isto é, que toda “verdade é
mentirosa” como disse o psicanalista Jacques Lacan. Desta maneira será possível
para a empresa criar cultura, assim como
fez Steve Jobs, isto é, saber fazer(savoir-faire) com que seus produtos e/ou
serviços possam realmente fazer diferença na vida dos indivíduos/clientes
internos ou externos.