sábado, 26 de janeiro de 2013

SERÁ QUE É BULLYNG?


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DANIELA GATTO

Chega de marcação cerrada. Classificar como bullying os desacertos, xingamentos, brigas, mentiras e traquinagens entre as crianças é dar um peso excessivo às manifestações próprias ao seu mundo
 
As brincadeiras, brigas e provocações fazem parte do mundo da criança. Quem não se lembra de ganhar um apelido jocoso, normalmente relacionado à aparência física, a uma característica marcante ou a um “defeitinho” que, obviamente, detestávamos? Era desta maneira que nos relacionávamos com as pessoas e com o nosso corpo, na complexidade de habitarmos a própria pele e nos fazermos amados pelo outro.
 
Isso pode ser considerado bullying? Houve um tempo em que as crianças brincavam e brigavam livremente. Hoje, as crianças brincam vigiadas, recorrendo a um intermediário quando os impasses se apresentam, e não brigam, ou até brigam, mas longe do olhar atento dos adultos.
 
Mudaram as brincadeiras e a interação entre as crianças, mudou também a maneira como os adultos as diferenciam e interpretam o que acontece com elas. Pensam que elas não “aguentam agressões” de seus pares. Quando as crianças se “agridem” ou se insultam mutuamente, sofrem sim, mas suportam, e pode ser um momento de aprendizado para lidar com a frustração. O adulto, ao intervir com censura ou com defesa, muda o script. A questão aumenta, deixa de ser “coisa de criança” até mesmo para os pequenos, pois o adulto valoriza e autoriza uma “gravidade” que não tem este caráter para o infantil.
 
Na era do politicamente correto, essas “coisas de criança” ganham outra dimensão. Perde-se a espontaneidade, a busca de formas próprias de lidar com os desacertos das amizades e, aquilo que ajudaria os pequenos nos seus enfrentamentos com o outro, ganha um tom moralista e persecutório. O bullying ganhou proporções gigantescas, ocasionando um exagero na proteção com as crianças, que perdem, desta maneira, a oportunidade de experiências significativas no seu desenvolvimento e na construção da subjetividade.
 
É evidente que existem situações de violência entre crianças e que os adultos têm a responsabilidade de interferir, mas classificar como bullying e dar um peso excessivo às manifestações próprias do mundo infantil, como brigas, desacertos, xingamentos, mentiras e traquinagens, priva a criança de lidar com situações importantes da vida e a tolhe do exercício de conviver com a diferença. Como eles mesmos dizem: “pega leve”.