domingo, 29 de março de 2020

"REMÉDIO NÃO CURA PENSAMENTO"


Pensei em ler a biografia de Freud com 815 páginas neste período de quarentena, mas ontem fui até o consultório e encontrei o livro que havia comprado há algumas semanas. Movido pela curiosidade, comecei a folhear e a medida que lia fui ficando "preso". Esta postagem é composta de pedaços do texto escrito pela Psicanalista e Psiquiatra Dra. Silvia Disitzer com o mesmo titulo desta postagem.



Silvia Disitzer, Psicanalista membro da Escola Letra Freudiana e médica psiquiatra no Instituto Municipal  Philippe Pinel.



"A tarefa clínica nos coloca em contato com o relato do sujeito e seu sofrimento. Desde o início de minha prática clínica, nos ambulatórios da faculdade de medicina, chamava a atenção o fato de que, mesmo frente à inexperiência de estudante, os pacientes retornavam e retomavam do mesmo ponto as questões que haviam relatado da última vez. E também a constatação de que uma escuta atenciosa favorece a melhora clínica, o tratamento e a cura."

"É assim que venho consolidando uma forte impressão, de que remédio não trata pensamento, ideia que insistiu e me instigou a uma reflexão mais aprofundada. A diferença entre a prática psiquiátrica e a clínica psicanalítica é abismal, sendo quase sempre incompatível exercê-las ao mesmo tempo no mesmo caso. E isso vale tanto nos casos de neurose como nos de psicose."

"A palavra do paciente, obstáculo maior para a objetivação do ‘transtorno psiquiátrico’, fica eliminada da série com o advento do terceiro DSM, de 1980, com a declaração triunfal de que já não existem as neuroses. Assim vai se construindo uma base de categorização em que a psicodinâmica vai sendo abandonada em favor do modelo biomédico. É dessa forma que fica substituída definitivamente a noção de neurose por “transtorno de ansiedade”."

"A tarefa clínica nos coloca em contato profundo com o sofrimento do sujeito. Desde o início da minha formação, ainda nos ambulatórios da faculdade de Medicina, me chamava a atenção um fato recorrente: aquilo que era enunciado pelo paciente sobre a sua situação e os seus sintomas tinha mais efeito sobre a evolução de seu quadro do que a informação que recebíamos dos resultados dos exames ou dos procedimentos realizados.Tornou-se evidente que uma escuta atenciosa é fundamental para a melhora clínica, o que me levou posteriormente à psiquiatria e à psicanálise, não necessariamente nesta ordem."

"Com os anos, fui percebendo que a diferença entre a prática psiquiátrica e a clínica psicanalítica é abismal. O psiquiatra identifica a doença de seu paciente e acredita saber qual o remédio certo para tratá-la. Já o psicanalista, ao escutar o sujeito,opera sobre matéria bem mais sutil, a cadeia de seus pensamentos, e se coloca a tecer os fios que possam levar seu paciente a tomar as rédeas de sua própria vida."

"Seja pela pressão da indústria farmacêutica, seja pela necessidade de criar indivíduos funcionamentes, o fato é que a sociedade contemporânea recorre cada vez mais a remédios numa busca rápida e, por vezes, fantasiosa de uma "cura" para a mente. É inquestionável que algumas substancias psicoativas têm eficácias específicas comprovadas. Os neurolépticos, por exemplo, agem sobre desordem psicótica aguda e, os antidepressivos, melhoram o ânimo e combatem a irritabilidade."

"No que diz respeito ao uso dos medicamentos, tenho verificado a enorme variação de ocorrências, seja em relação aos efeitos esperados ou desejados como também em relação aos efeitos colaterais e ainda alguns inesperados.É preciso mencionar também o enorme efeito de sugestão que percebemos ao prescrever uma medicação, especialmente se essa prescrição está acompanhada de uma escuta analítica. Esse efeito é eventual,ente mas evidente do que o efeito esperado do medicamento, exercendo considerável influência sobre o resultado clínico final."